Soberania digital: o novo campo de disputa política pelo futuro do Brasil

Por Ricardo de Holanda, advogado e engenheiro de computação, especialista em direito digital e proteção de dados, mestrando em Direito Econômico pela UFPB

 

O Brasil vive hoje um processo silencioso de erosão da soberania digital. Desde as revelações de Edward Snowden, que expuseram a espionagem sistemática contra governos e cidadãos pelos Estados Unidos, ficou claro que a infraestrutura digital da administração pública federal de um país não pode permanecer entregue ao controle de interesses privados e externos.

O uso monopolizado de dados e perfis comportamentais de acesso à internet pelas gigantes de tecnologia, as chamadas “big techs”, impõe concentração de vastos volumes de informação nas mãos de poucas empresas (estrangeiras) e nações, isso sufoca a concorrência, limita a inovação, ergue barreiras para novos empreendimentos e, em uma escala mais ampla, potencializa as desigualdades regionais, social e econômica, cria riscos sistêmicos para a economia, o sistema político e democrático, fragmenta a comunicação e a esfera pública (digital).

A investigação que o Brasil deve conduzir sobre o controle de dados é muito mais profunda e estratégica do que uma mera resposta à Seção 301 dos EUA. A resposta brasileira deve envolver uma modernização da fiscalização federal da união e um conjunto de esforços de órgãos públicos, com amplos estudos sobre taxação recíproca, soberania, regulação e reconstrução industrial tecnológica.

Nesse cenário dominado por grandes plataformas, o poder de moldar comportamentos e interferir no debate público escapou das mãos dos Estados nacionais. Corporações transnacionais operam acima das legislações locais, acumulam dados, manipulam algoritmos e interferem nos rumos da política, da economia, da comunicação e da cultura.

Não haverá soberania no século XXI sem domínio sobre a tecnologia, os dados e a infraestrutura digital. O que o voto representa para a democracia, o controle dos dados representa para a liberdade individual, a segurança nacional e a autonomia estratégica do Estado.

Grandes plataformas violam diariamente a privacidade dos brasileiros. Controlam o fluxo da informação, desequilibram mercados, impõem regras próprias e enfraquecem os instrumentos da democracia. O problema não é tecnológico — é político.

A pergunta central, que precisamos encarar com urgência, é: seremos um povo livre e digitalmente soberano ou uma colônia de dados? O produto para sempre — ou os construtores do nosso destino?
No século XXI, os dados não são apenas informações — são a bússola do poder. Eles orientam decisões políticas, econômicas e estratégicas em todos os níveis da vida cotidiana, da saúde ao trabalho, das atividades econômicas ao centro de decisões políticas. Um país sem soberania digital está à mercê das potências que controlam esse fluxo, como um sistema sem autonomia nem direção própria.

Se queremos existir com dignidade na era digital, precisamos desenvolver nossas próprias forças produtivas — tecnológicas e industriais — que assegurem a privacidade, que permeiem o regionalismo, maximizem a participação dos cidadãos e fortaleçam a capacidade do Estado operar sem dependência tecnológica (autonomia). A democracia do futuro depende de uma cidadania digital ativa, soberana e consciente.

Permanece pendente a criação, pelo Parlamento, de um fundo financeiro vinculado ao faturamento dos serviços prestados pelas Big Techs, à semelhança do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações). Esse fundo não deve apenas mitigar o abismo digital e tecnológico que separa o Brasil das nações líderes em tecnologia, mas sobretudo fomentar condições reais de competitividade para a economia brasileira nas novas forças produtivas tecnológicas do século XXI.

A construção de um Plano Nacional pela Soberania Digital, com participação popular, investimento público e regulação firme sobre as big techs, não é mais uma escolha — é uma urgência.

 

Filie-se ao SINAGÊNCIAS!

Acesse: https://sinagencias.org.br/filiacao/

Fonte: Ascom/Sinagências