Comissão Nacional dos Servidores Fundadores das Agências Reguladoras Federais – Quadro de Pessoal Específico – QEsp Regulação
No recente pronunciamento da Presidência da República, ocorrido na noite de 30/4/25, assistido em rede nacional, destacou-se a importância de aprofundar os debates e ouvir todos os setores da sociedade, com o objetivo de promover o bem-estar das trabalhadoras e trabalhadores do nosso país. Foi reafirmado o compromisso do governo com a igualdade de gênero no trabalho, simbolizado pela Lei da Igualdade Salarial, que garante remuneração igual para homens e mulheres no exercício da mesma função. Trata-se de um marco importante na promoção da justiça social mas que também lança um alerta sobre a necessidade de coerência entre o discurso público e as práticas internas do próprio Estado.
No mesmo diapasão, a ministra Esther Dweck(Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) fez pronunciamento em Rede Social, no dia do Trabalhador em que enfatiza logo no começo: ´queria lembrar para vocês que neste governo as servidoras e servidores públicos são valorizados…´, também afirma que `conseguimos negociar com todas as carreiras do serviço público federal e teremos então todas reajustadas, até 2026, de forma que ninguém tenha perda real…´´.Finaliza sua fala dizendo que…“na nossa visão, ter servidores que se sintam valorizados, respeitados e engajados, é essencial para que a gente possa prestar bons serviços públicos a nossa população, que é nosso grande dever´´.
É nesse ponto que o governo tropeça em sua própria narrativa. Pois, ao mesmo tempo em que defende a equidade como valor universal, impõe a seus próprios servidores públicos uma política salarial que contradiz frontalmente esse princípio. Em um país que vive a retomada do discurso da igualdade, da valorização do servidor público e do compromisso com a justiça e a inclusão sociais, é difícil compreender e mais difícil ainda justificar o reajuste salarial assimétrico concedido recentemente aos servidores das agências reguladoras.
O governo federal autorizou um aumento de 27% para os servidores do quadro efetivo e apenas 15,5% para os do quadro específico das agências reguladoras, a ser pago em duas parcelas,sendo parte em 2025 e o restante em 2026. A diferença, por si só gritante, torna-se escandalosa diante de um dado incontornável: ambos os grupos ingressaram oficialmente no serviço público, exercem as mesmas funções e dividem, cotidianamente, o peso da mesma responsabilidade institucional.
Trata-se de uma desigualdade que fere o princípio constitucional da isonomia e que, mais do que isso, envia uma mensagem perigosa: a de que há trabalhadores de “primeira” e de “segunda” dentro do próprio Estado. Muitos desses servidores do quadro específico atuaram, por décadas, lado a lado com os colegas do quadro efetivo, cumprindo as mesmas metas, enfrentando as mesmas crises, representando o Estado com igual competência e responsabilidade.
O que os distingue é apenas a época de ingresso no serviço público — o quadro específico é composto por servidores concursados de uma geração anterior, responsável por estruturar e consolidar as próprias agências reguladoras quando elas ainda davam os seus primeiros passos. Foram esses profissionais, frequentemente ignorados nas políticas mais recentes, que sustentaram tecnicamente a criação das hoje atuais 11 agências reguladoras no Brasil.
Sim, são profissionais que compartilham o mesmo espaço, respondem aos mesmos chefes, superintendentes, diretores, executam as mesmas tarefas nas diferentes áreas de atuação de suas agências de origem, enfrentam os mesmos desafios, o que jamais deveria pesar tanto a ponto de justificar remunerações distintas para esforços idênticos.
Não é exagero dizer que essa distinção institucionalizada beira o etarismo administrativo, uma forma velada de preconceito e de desvalorização dos servidores mais experientes, cuja trajetória é frequentemente tratada como um fardo, não como patrimônio. Numa era que clama por mais inclusão e respeito às diversidades, é preocupante ver o próprio Estado perpetuando uma lógica retrógrada, mesquinha e preconceituosa, que marginaliza o tempo de serviço e a senioridade.
A história do serviço público brasileiro é marcada por desigualdades internas, carreiras sobrepostas, quadros esquecidos e categorias invisibilizadas. Mas, em 2025, sob a gestão de um governo que se proclama defensor do Estado forte e do funcionalismo comprometido, esperava-se uma correção desses erros e não sua repetição com tinta nova.
A desculpa técnica, se apresentada, não se sustenta. A contenção fiscal também não explica. A decisão é, essencialmente, política e, como tal, carrega peso simbólico. Ela transmite uma mensagem de que há, sim, servidores de “primeira” e de “segunda” classe. E mais: que o discurso da igualdade cede, quando confrontado com os labirintos burocráticos e as escolhas seletivas neoliberais instaladas dentro da máquina estatal. Ignorar essa realidade é pactuar com a injustiça. É permitir que dentro do próprio Estado floresçam desigualdades que ele, em tese, se propõe a combater na sociedade.
O quadro específico de servidores não é um corpo estranho ao serviço público, é parte da sua espinha dorsal, especialmente nas agências reguladoras. E tratá-lo como inferior, mesmo diante de sua contribuição histórica e técnica, não é apenas injusto: é institucionalmente insustentável.
Impor e sustentar essa realidade, em pleno 2025, será um ônus grave para um governo que se apresenta como progressista e comprometido com a equidade e com a inclusão. Impor essa desigualdade a seus próprios servidores concursados e experientes, fere não só a lógica da gestão pública, como também os princípios fundamentais que formam a base ética de sua narrativa política e seu senso de equidade.
A injustiça não pode ser apenas denunciada.
Precisa ser imediatamente corrigida.