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O QUE O BRASIL ESTÁ PERDENDO COM O ESVAZIAMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

R$ 40 bi? Não, obrigado
É essa fortuna que o Brasil está deixando de receber, em investimentos vitais, por causa do descaso do governo com as agências reguladoras
 
MURILO RAMOS
 
As agências reguladoras brasileiras foram concebidas para controlar setores essenciais ao funcionamento da economia, como comunicações, transportes e energia. Foram criadas na esteira das grandes privatizações promovidas pelo governo FHC. Como o Estado não tinha mais dinheiro para investir, entregou esses setores à iniciativa privada. Mas era preciso algum tipo de controle. Para cuidar dos contratos de concessão, dos preços e da qualidade dos serviços, sem sofrer as oscilações do entra-e-sai dos governos, as agências foram estruturadas como órgãos com operação e mandatos autônomos. O objetivo desse arranjo institucional era dar a quem deseja investir no país a segurança das regras estáveis, imunes aos interesses políticos, e ao mesmo tempo proteger os consumidores, impondo regras claras aos serviços.
 

PETRÓLEO
Exploração de petróleo na Bacia de Campos (RJ). As deliberações da ANP precisam ser aprovadas por três diretores, no mínimo. Mas a agência só tem dois. Resultado: negócios parados

A idéia não era nova. Surgiu em 1887, nos Estados Unidos, quando foi criada a Interstate Commerce Comission (ICC), para controlar as ferrovias privadas. Chegou ao Brasil apenas em 1995. Uma década depois, as agências reguladoras brasileiras sofrem de anemia. A presidência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) é exercida interinamente desde o fim de 2005, porque virou moeda de barganha política do governo Lula com o PMDB. As diretorias de várias agências estão incompletas. Duas delas, sem o mínimo de gente para tomar decisões. Para piorar, a autonomia de órgãos presumidamente autônomos está comprometida pelos cortes de recursos feitos pelo governo federal.
 
"Isso é ruim para o país", afirma o alemão Rolf Alter, o maior especialista em regulação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). "A eficiência das agências é essencial para o bem-estar de consumidores e empresas, que se sentem estimulados a investir."
 
O Brasil já está se ressentindo do descaso. Em setores cruciais da economia – que podem pavimentar o caminho do crescimento ou erguer obstáculos a ele -, as empresas estão deixando de investir R$ 40 bilhões. Esse prejuízo não leva em conta o que as melhorias poderiam significar em aumento do ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
 
As agências deveriam poder se sustentar sozinhas. Em cada conta de luz ou telefone, um pedacinho da fatura é destinado a elas. Mas o dinheiro arrecadado tem sido bloqueado pelo Ministério da Fazenda. Vem engordando o caixa do Tesouro Nacional e serve para o governo atingir as metas de superávit fiscal. Desde 2003, a Agência Nacional de Petróleo (ANP), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tiveram R$ 7,4 bilhões contingenciados. "Isso é reflexo do mau tratamento que o governo tem dispensado às agências", afirma o presidente do Conselho de Infra-Estrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José de Mascarenhas.
 
Nos EUA e na Europa, a autonomia financeira e administrativa das agências reguladoras é uma regra sagrada. No Brasil, porém, é comum que as agências fiquem sem dinheiro até para pagar viagens de funcionários para fazer fiscalizações. "O ideal é que as agências sempre tenham independência financeira", diz Fernando Xavier, presidente da Telefônica, a maior empresa de telefonia fixa do país. A atual situação afasta os investidores. Segundo estudo do Banco Mundial, o Brasil ocupa posição ruim em transparência e segurança para investidores (leia o quadro). "A situação de investimentos estrangeiros só não é pior porque o Brasil tem um grande mercado consumidor", afirma Gesner de Oliveira, da Consultoria Tendências. "É parecido com a China, onde a regulação é fraca, mas o risco compensa."
 
Segundo o consultor britânico Scott Jacobs, que assessora discussões sobre agências reguladoras em 30 países da Europa e Ásia, não há uma receita única para todos os países se tornarem seguros e confiáveis para os investimentos. Mas há alguns conceitos universais. "Transparência nas regras, mandatos fixos para os diretores de agências e prestação de contas diminuem pressões e tornam o clima mais previsível", afirma. A seguir, a situação em cada agência.
 

RODOVIAS
Obra na Régis Bittencourt, que liga São Paulo a Curitiba O atraso em leilão de concessões paralisou quase R$ 20 bilhões de investimentos privados em estradas

ENERGIA
Segundo estimativas do setor, cerca de R$ 5 bilhões deixaram de ser investidos desde 2004, quando o governo Lula mudou o modelo do setor elétrico e transferiu poder da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para o Ministério de Minas e Energia. De acordo com Cláudio Sales, presidente do Acende Brasil, instituto que reúne investidores privados, empresas como a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) e a Energias do Brasil deixaram de disputar leilões de geração e distribuição de energia nova no ano passado por considerar que as regras favorecem as empresas estatais. "Para um país que precisa de energia para crescer, o quadro é preocupante", afirma Sales. Em 2005, a Aneel deveria ter recebido R$ 270 milhões em repasses do governo, mas recebeu menos da metade desse valor. "Os problemas se agravam porque parte do dinheiro só é liberada no fim do ano", diz Jérson Kelman, presidente da Aneel.
 
ESTRADAS
Mais de R$ 20 bilhões em investimentos na melhoria e conservação de estradas estão suspensos por causa da letargia da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) na definição de regras para a concessão de trechos de sete rodovias federais, que somam 2.600 quilômetros. Uma delas é a Régis Bittencourt, entre São Paulo e Curitiba, principal corredor de exportação do Brasil para os países do Mercosul. "Estão tentando reinventar a roda. Deveriam usar a fórmula das concessões anteriores", diz Marcelino de Seras, presidente da Ecovias, empresa que tem concessões de estradas nas regiões Sul e Sudeste e planos de investimentos – arquivados – para a Régis Bittencourt.
 
PORTOS
Projetos de mais de US$ 3 bilhões em investimentos estão parados por causa da acefalia da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Um desses projetos é a expansão do Porto de Itaguaí, no Rio de Janeiro. O arrendamento pela Companhia Docas do Estado de uma área para a construção de novos terminais por empresas privadas ainda não saiu do papel porque não existem diretores na Antaq para assinar a concessão. A conseqüência é o adiamento de US$ 1,5 bilhão em novos negócios. "Depois a gente reclama de custo Brasil", diz o presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários, Wilen Manteli. No Espírito Santo, em Santa Catarina e São Paulo, há outros projetos de modernização e expansão portuária paralisados. Eles poderiam diminuir o congestionamento dos portos de Santos, em São Paulo, e Paranaguá, no Paraná.
 
PETRÓLEO
O enredo de falta de diretores na agência reguladora, projetos paralisados e milhões de dólares em investimentos em banho-maria se repete no setor de petróleo. Um negócio de US$ 350 milhões, que permitiria a venda do direito de exploração de um campo de petróleo da empresa canadense Encana para a norueguesa Norsk, está parado desde o começo do ano porque não há quórum nas reuniões de diretoria da Agência Nacional de Petróleo (ANP). O campo de Chinook, com reservas de 200 milhões de barris de petróleo na Bacia de Campos, Rio de Janeiro, deixa de produzir.
 
Dos cinco diretores da agência, apenas dois estão nomeados. Um deles é o diretor-presidente, Haroldo Lima, um ex-deputado do PCdoB da Bahia que já se manifestou no passado contra as agências reguladoras. A realização da oitava rodada de licitação de novas áreas para exploração e produção de gás e petróleo, marcada para agosto, também está ameaçada por causa da falta de diretores na ANP. Segundo Luiz Alberto dos Santos, responsável na Casa Civil da Presidência da República pelo acompanhamento das agências regulatórias, a demora na escolha de diretores é resultado da dificuldade do governo em encontrar nomes com o perfil adequado – e, depois, da demora do Congresso Nacional em referendar as nomeações.
 
ENERGIA
Linha de transmissão em São Paulo. A transferência do poder de decisão da Aneel para o Ministério de Minas e Energia afastou o investidor privado
 
TELECOMUNICAÇÕES
A tecnologia permite, por exemplo, a transmissão de vídeos para celulares, como um lance de uma partida de futebol, com alta qualidade e velocidade. "No Japão e na Coréia do Sul, a tecnologia 3G chega a até 50% dos usuários, enquanto no Brasil não passa de 3%", afirma Siqueira. Estima-se que apenas a expansão da infra-estrutura da tecnologia 3G custe US$ 3 bilhões. De acordo com o ex-diretor da Anatel Renato Guerreiro, a agência se ressente da falta de dinheiro para realizar estudos que balizem licitações e regulamentações.

 
 
 
O CUSTO DO DESCASO
Quanto o país perde em investimentos devido ao abandono das agências reguladoras
SETOR
PROBLEMA
QUANTO O PAÍS DEIXOU DE INVESTIR
Energia
Aneel perdeu poder para o Ministério de Minas e Energia
R$ 5 bilhões
Transportes
Regras da ANTT não estão claras
R$ 20 bilhões
Portos
Antaq está sem três diretores
R$ 7 bilhões
Petróleo
Reuniões da ANP não têm quórum
R$ 0,8 bilhão
Telecomunicações
Anatel não tem recursos para estudos
R$ 7 bilhões*
TOTAL
R$ 40 bilhões
* Apenas investimentos relativos à expansão da tecnologia de Terceira Geração da telefonia celular Fontes: Associação Brasileira de Concessionárias Rodoviárias (ABCR), Associação Brasileira de Terminais Portuários, Instituto Acende Brasil, Guerreiro Teleconsult e Tribunal de Contas da União (TCU)
 
FALTA MUITO
O Banco Mundial criou um índice de 0 a 100 para medir a clareza e a segurança das leis nos países emergentes. Quanto maior o valor, melhor é o ambiente para investimentos
Chile
94%
Coréia do Sul
72%
México
68%
África do Sul
65%
Brasil
58%
China
35%
Rússia
31%
Índia
27%
Argentina
20%
Fonte: Banco Mundial (2004)
 
Foto: Lalo de Almeida/Folha Imagem
 

Fonte: Revista Época, Edição 422