O funcionalismo promete entrar em guerra com o Palácio do Planalto em 2015. Seja quem for o eleito, a Presidência da República terá de enfrentar servidores federais furiosos com a perda de renda imposta por um acordo assinado em 2012. Até o próximo ano, os trabalhadores terão recebido 15,8% de aumento salarial desde que o compromisso foi firmado. Contudo, diante de uma inflação persistentemente elevada, o valor dado pelo governo se mostrou insuficiente para vencer a carestia. Em vez de ganho real, os servidores amargarão, ao fim do período, perda de 2,1%. A resposta para o prejuízo, garantem os sindicalistas, ocorrerá nas ruas.
Representantes das categorias prejudicadas pretendem dar, já em 2014, uma primeira mostra do que está por vir caso não sejam atendidos e, os danos inflacionários, corrigidos. Em pleno ano eleitoral, podem convocar uma paralisação geral dos serviços públicos, o que significaria o rompimento do acordo firmado em 2012, quando ficou acertado que não haveria greve até o vencimento do combinado. A greve deve coincidir com as manifestações programadas durante a Copa do Mundo, fato que já preocupa o governo e que resultará em problemas quando 2015 chegar.
A posição de sindicatos que representam os servidores é um gesto hostil ao Partido dos Trabalhadores, sigla que comanda o país e que, historicamente, sempre contou com o apoio explícito da maioria do funcionalismo, que tomou horror do PSDB, depois do processo de enxugamento da máquina pública promovido durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Um dos braços do partido, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) está encabeçando o movimento de pressão dos insatisfeitos.
O próximo presidente terá a missão ingrata de negociar com os trabalhadores durante seu primeiro ano de mandato, um período que, no entender dos especialistas, exigirá um forte ajuste nas contas públicas. Depois de anos de gastos elevados com a justificativa de estimular a atividade e impedir que a crise se instalasse no Brasil, a fatura chegou.
O governo perdeu margem de manobra e tem pouco ou nenhum espaço fiscal para dar benesses ao funcionalismo. Fazer convergir a vontade dos servidores com as necessidades do Tesouro Nacional será um desafio hercúleo. "A racionalidade saiu do campo econômico. A decisão será política. Mesmo sem espaço para elevar as despesas, são grandes as chances de o próximo comandante do país conceder novo aumento para o funcionalismo", diz o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central.
Pedro Armengol, secretário adjunto de Relações de Trabalho da CUT, defende que há dinheiro para reajustar os salários, independentemente da farra fiscal dos últimos anos, que pode resultar no rebaixamento do país pelas agências de classificação de risco. "Dizer que 2015 será um ano de ajuste é manter o olhar fiscalista que vem desde 2008, com a explosão da crise internacional", diz. "O Estado gasta demais e não se vê o retorno adequado em saúde, segurança e educação, que não melhoram. "Os investimentos no serviço público são reduzidos, esse é o problema", argumenta.
Serviços péssimos
Os argumentos do funcionalismo não comovem os especialistas em contas públicas. Eles, inclusive, não descartam uma rebelião de brasileiros sem emprego público e que dependem dos péssimos serviços oferecidos pelo Estado. Durante o governo Lula, os servidores contabilizaram ganhos expressivos. Tanto que a folha de pagamento do Executivo, desde 2003, aumentou 163,8%. A qualidade do atendimento à população, no entanto, continuou muito aquém do aceitável. Durante a campanha de 2010, quando a presidente Dilma Rousseff foi eleita, uma das bandeiras do PT era a implantação da meritocracia no governo. A promessa nunca saiu do papel.
A Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), que representa quase metade do funcionalismo, queixa-se, além da perda para a inflação, de promessas não cumpridas, como a adoção de planos de carreira e a regulamentação de benefícios. "São vários os acordos assinados que não foram cumpridos pelo governo", afirma Sérgio Ronaldo da Silva, diretor da entidade. Ele garante que, até o fim de janeiro, serão dados os primeiros passos no sentido de mobilizar os trabalhadores. "Independentemente de Copa do Mundo e de eleições, já avisamos ao governo que o enfrentamento vai ocorrer", garante. "Em 2015, vamos para a rua, mesmo com o discurso de dificuldade fiscal", diz.
Márcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, acredita que a disputa entre os servidores e o Executivo pode parar na Justiça. "A margem para novos gastos é pequena. Será uma negociação difícil", observa.
Fonte: Correio Braziliense