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NOTA PÚBLICA – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO CONSUMIDOR – MPCON

SOBRE AS RECENTES INICIATIVAS DE DESREGULAMENTAÇÃO DE PLANOS DE SAÚDE

A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBICO DO CONSUMIDOR – MPCON, entidade civil sem fins lucrativos, que congrega membros dos Ministérios Públicos dos Estados, do Distrito Federal e Territórios e do Ministério Público Federal com atuação em todo o Brasil na defesa do consumidor, vem a público, por meio da presente Nota, se manifestar a respeito das recentes notícias sobre propostas normativas de involução no marco regulatório da saúde suplementar.

A MPCON tomou conhecimento do caso através de menções feitas na imprensa sobre um suposto movimento de alterações das regras sobre planos de saúde, que estaria sendo articulado por empresários que atuam nesse mercado, através de suas organizações representativas, e que já teria sido, inclusive, recebido pelo governo. Dentre os inúmeros retrocessos que vêm sendo alardeados, traz grave preocupação a possibilidade de enfraquecimento da Agência Nacional de Saúde Suplementar enquanto órgão técnico de regulação desse mercado.

O modelo regulatório adotado no Brasil a partir da década de 90, inaugurou no ordenamento jurídico brasileiro as Agências Reguladoras, entendidas estas como autarquias de regime especial dotadas de considerável autonomia e dirigidas por um colegiado de diretores, nomeados para mandatos estáveis e com prazo determinado pelo Presidente da República após prévia aprovação no Senado Federal. Isso permitiu a delegação para a iniciativa privada de atividades econômicas relevantes e que possuíam especial sensibilidade para a coletividade, com a presença de interesses fortes, múltiplos e conflitantes, além de elevado potencial de comoção pública, como a atividade de operação de planos de saúde, as quais demandavam uma regulação forte e, ao mesmo tempo, executada por uma estrutura regulatória autônoma e independente, que baseasse suas decisões em análises estritamente técnicas.

Desde a criação da ANS enquanto órgão técnico regulador para a saúde suplementar foram verificados avanços significativos para a sustentabilidade desse setor, para o estímulo à concorrência e para a proteção dos consumidores, sendo de se ressaltar a vedação ao limite de dias para internação, a exigência de garantias econômicas mínimas para funcionamento das operadoras e a definição técnica de um rol de procedimentos de cobertura obrigatória. Trata-se de um processo regulatório dialógico e aberto a todos os atores envolvidos, que considera a necessidade de se construir uma relação harmoniosa entre consumidores, operadoras e prestadores através de decisões que devem se pautar por caracteres e motivações estritamente técnicos.

A regulação feita pela ANS ainda contribui sensivelmente para a redução da judicialização no setor, ao tratar individualmente toda e qualquer demanda formulada pelos consumidores à agência, sendo responsável pela resolução extrajudicial e consensual de cerca de 92% das reclamações apresentadas.

Nessa esteira, entende a MPCON que suposta transformação que venha a ser produzida não poderá considerar qualquer redução, por menor que seja, sobre a discricionariedade técnica da Agência Nacional de Saúde Suplementar nem, consequentemente, suas atribuições fiscalizatórias. Eventual reativação do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU, não poderá ultrapassar os limites do espectro de atribuições que lhe foram conferidas pelo artigo 35-A da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98), cabendo-lhe apenas a definição de diretrizes gerais sobre a política de planos de saúde. Qualquer invasão desse organismo sobre as atuais atribuições da Agência Reguladora, previstas na Lei 9.961/00, ainda que pautada em eventual alteração legislativa, entraria em rota de colisão com todo o modelo de delegação dessas atividades econômicas ao setor privado empreendido nas últimas décadas, com o desenvolvimento da proteção ao consumidor na seara da saúde suplementar e com os próprios princípios previstos na recente lei das agências reguladoras (Lei 13.848/2019), notadamente aqueles referentes à ausência de subordinação hierárquica dessas entidades e a sua autonomia funcional e decisória. O enfraquecimento do poder regulatório das agências reguladoras apenas gera insegurança nos investidores desse mercado, fragiliza a concorrência e produz prejuízos significativos aos consumidores, que tanto já sofreram no passado em decorrência dessa desregulamentação.

Enquanto entidade que vem acompanhando o tema, a MPCON continua a insistir que as adequações regulatórias devem seguir o seu foro próprio e adequado de debate e decisão, no âmbito da Agência Nacional de Saúde Suplementar, sem limitação de suas atribuições. De outro lado, qualquer proposta de modificação desse marco regulatório, para além dos limites previstos na Constituição Federal, deve ser fundada em ampla participação da sociedade e, especialmente, na escuta daqueles afetados pela nova normativa, devendo atuar o Congresso Nacional como protagonista na condução dessa intervenção democrática, zelando para que seja desconsiderada qualquer proposição lastreada nos interesses de apenas uma das partes desse complexo setor econômico.

Assim, considerando a gravidade que retrocessos na área da saúde podem provocar, a MPCON vem manifestar sua preocupação para com quaisquer iniciativas que busquem retirar direitos dos consumidores de planos de saúde de maneira obscura, fragilizando o modelo regulatório atual, bem como ressaltar que qualquer proposta de alteração do marco normativo do setor só deve caminhar mediante o mais amplo debate com toda a sociedade.

Brasília, 16 de julho de 2019.

SANDRA LENGRUBER DA SILVA
PRESIDENTE DA MPCON

SIDNEY ROSA DA SILVA JUNIOR
DIRETOR DA MPCON