Correio Braziliense – 21/12/2012
Autor(es): José Matias-Pereira
Economista e advogado, doutor em ciência política (UCM-Espanha) e pós-doutor em administração (FEA/USP). Professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da UnB/UFPB/UFRN.
É essencial, numa economia de mercado, que o governo possa contar com dois importantes instrumentos — que interagem e se complementam —, para garantir o crescimento econômico: a legislação antitruste e a política de regulação econômica. Nesse sentido, a Constituição Federal, além de preconizar o princípio da livre iniciativa, traça diretrizes para a regulação de setores estratégicos passíveis de delegação. Assim, conforme definido no art. 174, compete ao Estado “como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercer, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento”.
Tal função pode ser entendida como prerrogativa do Estado destinada a suprir as falhas do mercado. Visa facilitar, limitar ou intensificar os mercados pela correção das imperfeições de entrada e lidar com preço, confiabilidade do serviço, entrada e saída do mercado e investimentos na infraestrutura. É relevante destacar que a atividade regulatória estatal não compete exclusivamente às agências reguladoras, criadas para fiscalizar a prestação de serviços públicos pela iniciativa privada e estabelecer regras para o setor.
O Brasil possui 10 agências reguladoras, que somam 54 cargos de direção — todos escolhidos e nomeados pelo presidente da República após aprovação do Senado Federal. Feitas essas considerações, torna-se possível fazer duas perguntas. Uma: as agências reguladoras estão cumprindo de forma adequada as funções? A outra: as escolhas políticas dos dirigentes estão fragilizando o funcionamento da instituição?
Trata-se de perguntas inquietantes. A percepção de parcela significativa da população, conforme revelam as pesquisas de opinião pública, entende que as agências não estão atuando adequadamente. Essa visão decorre, em geral, da incapacidade das agências de resolver de forma satisfatória para a sociedade os conflitos que estão no âmbito de suas respectivas atuações, com destaque para as áreas de energia elétrica, aviação civil, petróleo e água.
A escolha política dos dirigentes revela-se a menos adequada para atender os interesses da administração pública e da sociedade. É sabido que inúmeros servidores públicos, notadamente os das carreiras típicas de Estado, possuem formação e competência para atuar como dirigentes das agências. Eles, desde que haja vontade política do governante, poderiam ser requisitados, sem nenhuma dificuldade, para atuar. Quando se faz a opção por servidor de carreira com perfil adequado, as possibilidades de sucesso são maiores. Caso ocorram desvios, a possibilidade de punição também se torna mais efetiva. Quando o indicado vem de áreas estranhas ao setor público, notadamente os que possuem ligações com grupos e pessoas com interesses pouco transparentes, a possibilidade de ocorrer desvios e irregularidades graves tende a aumentar de forma significativa.
A avaliação dos problemas no funcionamento das agências nos permite alertar para os riscos da crescente redução do desempenho e da qualidade do serviço público ofertado à sociedade, na medida em que aumenta o número de pessoas sem as qualificações necessárias. O mais preocupante é que a imagem negativa não fica para o indivíduo que não desempenhou bem as suas funções ou praticou atos ilícitos: fica para a administração pública. Isso contribui para aumentar ainda mais o preocupante fosso que existe entre a sociedade e a gestão pública no Brasil.
Por fim, é oportuno lembrar que nenhum país chegou a um nível de desenvolvimento sem contar com uma administração pública competente. Por isso a reforma mais urgente que o Brasil necessita fazer é a reforma da administração pública, para que ela — depois de modernizada — possa responder à sociedade, de forma tempestiva, as crescentes demandas por serviços públicos de qualidade.