Processos seletivos falhos, burocracia excessiva e falta de conexão com um resultado concreto do serviço realizado produzem insatisfação e sentimento de derrota nos funcionários públicos federais
Autor(es): LUCIANO PIRES
Correio Braziliense – 02/03/2009
Ao mesmo tempo em que discute melhorias gerenciais e traça metas para profissionalizar a máquina pública, o Estado convive com bolhas de insatisfação espalhadas pelo funcionalismo. Esse fenômeno não é novo, mas com o avanço no número de contratações ganha mais evidência. A raiz do problema, alertam os especialistas, está na forma de seleção e na baixa capacidade que a burocracia tem de transferir valor às tarefas executadas pelo servidor.
Como mostrou o Correio na edição de ontem, o nível de descontentamento é grande na Polícia Federal. Na pesquisa inédita realizada por meio da rede interna de computadores da PF, 57,8% dos delegados, peritos, papiloscopistas, escrivães, agentes e pessoal administrativo responderam que pretendem deixar a carreira na primeira oportunidade que tiverem. Por ser uma espécie de Olimpo do setor público, onde bons salários e status são marcas registradas, a taxa surpreende.
Wanderley Codo, professor de psicologia social e do trabalho da Universidade de Brasília, explica que a frustração e o sentimento de derrota dos servidores estão associados ao fato de que raramente o esforço diário se traduz em algo concreto. Diferentemente do que ocorre na iniciativa privada, os processos e o excesso de regras fazem com que o servidor se sinta “apenas mais um”. “Há no setor público grande ausência de vínculo com o produto. Às vezes, o salário e outras queixas viram apenas desculpa, uma forma de resumir as coisas para justificar outras insatisfações”, completa.
Reivindicações
Desde 2008, o Executivo vem sendo alvo de modificações. O governo baixou medidas aumentando a remuneração de quase todo o quadro, alterou a estrutura de muitas carreiras, implementou novas ferramentas de gestão com foco no desempenho e introduziu conceitos que dão maior previsibilidade funcional aos atuais e futuros servidores. Essa pequena revolução, no entanto, não tem sido capaz de amenizar os dramas.
Os advogados públicos são um exemplo disso. Responsáveis por defender os interesses da União, ingressam com contracheque de R$ 14 mil. “As mudanças na remuneração reduziram o índice de evasão”, reconhece Rogério Vieira Rodrigues, presidente da União dos Advogados Públicos Federais do Brasil (Unafe). Mas como dinheiro não é tudo, há reivindicações por melhores condições de trabalho e contra a fórmula de progressão na carreira introduzida recentemente.
Juliana Barral, mestre em administração pública, adverte que boa remuneração não se traduz em felicidade. “Esse é o primeiro engano do candidato e da própria organização”, diz. Segundo ela, do ponto de vista estrutural, ainda há muito o que se avançar no Brasil. Recrutar e formar melhor a mão-de-obra seria um bom começo. “Se a pessoa não consegue ver o resultado do que faz, ela trabalha para quê? A organização precisa dar desafios ao profissional, estimulá-lo sempre”, reforça.
Reflexo de sistema em declínio
O governo não sabe qual é exatamente o nível de insatisfação do funcionalismo, mas suspeita que a evasão e o grande trânsito de servidores entre órgãos ou poderes refletem, na verdade, um sistema em crise. Identificar as causas e evitar o aprofundamento desses fenômenos, porém, ainda são tidos como os grandes desafios a serem superados pelos gestores.
Na avaliação do secretário de Recursos Humanos, Duvanier Paiva, a máquina já funciona melhor do que no passado, os serviços prestados têm mais qualidade e a sociedade começa a reconhecer os avanços. “Devemos fazer processos seletivos cada vez mais competentes para selecionar pessoas para os lugares certos. Existe a indústria e a cultura do concurseiro, mas nem isso é de todo negativo”, justifica.
De acordo com Paiva, a partir de pequenos ajustes, é possível buscar entre as multidões que tentam entrar no serviço público todos os anos os candidatos mais vocacionados. O secretário acredita que esse valor não é incompatível com o modelo de administração pública praticado no Brasil. Ao contrário. “Temos muitos exemplos de carreiras e servidores vocacionados. O que precisamos é agregar instrumentos ao processo seletivo para conseguir identificar habilidades, mais do que conhecimento acumulado”, completa Duvanier Paiva.
A criação de carreiras transversais é apontada como uma das saídas para resolver o drama de quem reivindica maior autonomia e novos desafios no setor público. Um dos planos do governo é contratar funcionários que possam atuar não em um ministério ou em área específicos, o que daria ao Estado melhores condições de flexibilizar sua força de trabalho de acordo com as necessidades do momento.
Fonte: Correio Braziliense