Este será um ano de novos desafios para as agências reguladoras porque elas começarão a colocar em vigor os estudos de Análise de Impacto Regulatório (AIR), que já são adotados mundo afora onde existe o modelo de agências. Por essas análises, as instituições terão uma avaliação dos impactos de suas normas, ponderando o bem-estar de consumidores e empresas, e também o custo-benefício das decisões tomadas. A maior delas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é a primeira a considerar a AIR. Em 2009, a agência foi um dos principais alvos de críticas, ao criar uma norma que impedia o livre acesso a remédios nas farmácias do país e outra que impediu que as drogarias prestassem serviços bancários.
Com as medidas, a Anvisa acabou atingindo não apenas a saúde da população, mas também o sistema empresarial das farmacêuticas e dos próprios estabelecimentos onde os medicamentos são vendidos e os serviços bancários prestados. A norma levantou críticas de associações de farmácias e bancos. Na Justiça, drogarias conseguiram liminares para manter o acesso das pessoas aos remédios.
A ideia da AIR é exatamente analisar as medidas regulatórias considerando aspectos alheios à decisão da agência, como elementos econômicos e de bem-estar social. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) está em negociação para fazer um acordo estratégico com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para desenvolver uma AIR.
O governo discute a possibilidade de criar um órgão para executar as análises do impacto da atuação de cada agência e dar mais abrangência aos estudos – o Organismo de Supervisão Regulatória (OSR). Com isso, porém, foi reaceso o temor de que o Executivo tenha mais controle sobre a atuação das dez agências reguladoras e de outras autarquias, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que poderiam ter suas normas avaliadas pelo OSR.
As novidades chegam no âmbito do que se convencionou chamar de "boas práticas de governança regulatória". A ideia do OSR, em nome provisório, tem sido discutida entre Casa Civil e agências. Embora não haja expectativa de aprovação de uma lei que altere de forma tão grande a situação das agências ainda neste ano eleitoral – haja vista que uma reforma das agências tramita há quatro anos -, o debate deve se aquecer até dezembro e estimular que as agências façam por si a AIR, sem o organismo de supervisão.
A iniciativa do governo é cópia do que já existe em diversos países que adotam agências e segue recomendação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Enquanto o OSR não é criado, as agências reguladoras deverão adotar a metodologia sugerida pela OCDE para fazer elas mesmas a AIR. Por essas regras, quem propuser a mudança terá de responder a uma série de perguntas como, por exemplo, se a norma é justificada, se tem base legal ou conflito com outra regra existente, se os benefícios da regulação justificam seus custos e se todas as partes interessadas comentaram. A Anvisa já tem um modelo de relatório para isso, que inclui perguntas mais diretas como: se norma similar já foi adotada em outro país ou se já existe outro regulamento sobre o tema em questão.
A AIR tende a ratificar as decisões das agências sobre seus nichos de atuação – já que vai considerar diversos aspectos antes de as normas serem publicadas. Hoje, as agências já colocam em consulta e audiência pública as suas decisões mais polêmicas, para ouvir os interessados e afetados pelas normas. No entanto, essa atitude demanda uma ação de diversos setores da sociedade civil, empresarial e governo, que muitas vezes deixam escapar a oportunidade. A AIR tem um perfil mais ativo para o regulador, exigindo que ele pesquise possíveis impactos.
Ainda que a norma tenda a ser positiva para a sociedade, há um clima de temor nas agências quanto aos níveis de controle do Executivo. Nos últimos anos, as agências foram ameaçadas com perda de autonomia pelo projeto de Lei nº 3.337 – que, em seu último substitutivo preserva-lhes o caráter atual. O relatório final do projeto de lei já foi concluído e não deve mais sofrer alterações, aguardando apenas sua votação em plenário da Câmara. Agora, ele deverá reforçar a independência e transparência das agências, além de homogenizar cargos e salários entre as diferentes instituições. A votação está nas prioridades da Câmara e deve ocorrer em 2010.
A data, porém, ficou mais incerta porque o deputado Ricardo Barros (PP-PR), que era o relator do projeto, se licenciou para concorrer ao Senado. Segundo ele, a única disputa em questão ainda era a perda do direito de outorga das agências para os ministérios. Na prática, isso já ocorreu, permanecendo apenas a Anatel (telecomunicações) com o direito. Para Wanderlino Teixeira de Carvalho, presidente da Associação Brasileira das Agências de Regulação (Abar), desde que as agências definam os contratos com as empresas, a outorga vira um tema menor. "É uma questão de poder."
Em 2009, as instituições também passaram a sofrer ameaças de ingerência dos procuradores da Advocacia Geral da União (AGU). Por meio de uma portaria, a AGU tomou das agências o poder de sustentar decisões perante os tribunais. A norma abalou principalmente o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). "Foi um ataque direto à autonomia das agências", diz Lucia Helena Salgado, organizadora das Jornadas de Regulação do Ipea.
A Casa Civil debate, ainda, um estudo sobre o desenvolvimento e implementação de um sistema de seleção de diretores e do pessoal de gerência superior. No fim de 2009, ficou claro que ainda existem fortes pressões para a indicação de diretores por partidos políticos. Em troca de apoio ao governo, o PMDB indicou uma série de nomes às agências. Todos os indicados são sabatinados pelo Senado antes de assumir. A ideia do debate também é sistematizar as indicações, já que muitas agências podem ficar sem o time completo de diretores por muito tempo por falta de um candidato já definido.
A última pressão sobre a ação das agências em 2009 foi a disputa sobre a responsabilidade por falhas no cálculo de tarifas de energia elétrica desde 2004. Ministério de Minas e Energia e Aneel entraram em um jogo de empurra depois de verificada a distorção, até que a Aneel decidiu rever os contratos com as distribuidoras.
Fonte: Valor Econômico