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Os sucessivos cortes no Orçamento para engordar o superávit primário (economia para pagar juros da dívida pública) estão afetando o funcionamento cotidiano de importantes órgãos da administração. Servidores reclamam de insuficiência de dinheiro para arcar com contas básicas, como condomínio, água e luz. Viaturas ficam paradas nos pátios, por falta de combustível ou de licenciamento obrigatório, e importantes projetos de fiscalização para o combate à corrupção e ao desvio de verbas públicas não são executados. Repartições estão sem café, tinta para impressora e até papel higiênico. E quem ousa reclamar ou tornar pública essa realidade leva um rigoroso puxão de orelha do Palácio do Planalto.

O assunto é tão delicado que alguns órgãos sequer comentam o assunto, a exemplo da Receita Federal, que não quis se manifestar. Em outros casos, os números apresentados pelas instituições eventualmente prejudicadas não batem com os divulgados pelo Ministério do Planejamento. Segundo Rudinei Marques, presidente do Sindicato Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle (Unacon) e secretário-geral do Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), em setembro, o dinheiro da Controladoria-Geral da União (CGU) acaba. Não haverá, de novo, como pagar telefone, água é luz. Por falta de verba, as operações especiais deixaram de acontecer. Em 2010, foram 24 ao todo. Baixaram para 17, em 2013. E este ano, até julho, foram apenas oito.

O Programa de fiscalização por sorteios – para inibir a corrupção entre gestores – também vem caindo drasticamente, disse Marques. Em 2003 e 2004, foram 6 e 7, respectivamente. De 2011 para cá, se resumiram a 2 por ano. Em 2013 e 2014, houve apenas um sorteio. O ministro Jorge Hage pediu ao Planejamento um crédito suplementar de R$ 17 milhões. Mas o dinheiro ainda não saiu. “É algo inexplicável para um órgão que traz tanto retorno ao governo. O Ministério Público Federal já abriu inquérito civil para investigar se interesses político-eleitorais estão por trás da redução do orçamento. A gente sabe que, em ano eleitoral, o governo quer preservar seus aliados”, criticou Marques.

De acordo com a Unacon, de 2009 a 2013, as auditorias da CGU economizaram aproximadamente R$ 8,2 bilhões aos cofres públicos. Mas o número de fiscalizações vem caindo: em 2004, mais de 400 municípios foram fiscalizados. Em 2010 e em 2011, foram 160, em média. Neste ano, apenas 60 cidades foram fiscalizadas. Em protesto, no próximo dia 23, às 10 horas, os associados da Unacon darão um abraço na CGU contra a restrição orçamentária e o déficit de pessoal: atualmente o órgão conta com apenas 2.348 servidores na ativa, menos da metade das 5 mil vagas previstas pelo Decreto n°4.321/2012.

Se na sede, em Brasília, as necessidades básica não são atendidas, nas regionais, disse Marques, a situação é ainda mais grave. Na unidade de Boa Vista, chove dentro da repartição. Em Belém, os servidores são obrigados a trabalhar com a fiação de energia elétrica exposta. Além disso, os recursos para pagamento de diárias e passagens dos auditores, “que percorrem o Brasil fazendo o pente-fino nas prefeituras, diminuíram 25% neste ano, em relação a 2013”, reforçou. Em nota, a assessoria de imprensa da CGU admitiu que, em 2014, o orçamento autorizado foi de R$ 77,5 milhões. Montante “inferior” (R$ 79 milhões) ao de 2013.

“Tal orçamento se mostraria insuficiente pelo simples reajuste inflacionário (…) A situação se torna mais grave quando se verifica que, mesmo com uma execução da ordem de R$ 79 milhões em 2013, a CGU não conseguiu cumprir grande parte de suas funções normais, com a suspensão e o comprometimento de diversas atividades de fiscalização, prevenção da corrupção, correição e ouvidoria”, informou a nota da CGU. Nos cálculos do Planejamento, o orçamento atual da CGU é de R$ 77,8 milhões. Em 2013, o previsto era R$ 73,9 milhões. Com a compra de um imóvel de R$ 6 milhões, o total foi elevado para R$ 79,3 milhões. “Sendo assim, a curva corrigida mostra crescimento, e não contingenciamento, de 5,2% no orçamento”, explicou o MPOG.

Canetada

Nem o maior órgão arrecadador do país foi poupado do apetite voraz da equipe econômica por recursos para alimentar o caixa do Tesouro. “Temos restrição para tudo. Do material de expediente ao papel higiênico. Nada nos é revelado oficialmente sobre contingenciamento. Mas há rumores de que a tesourada no orçamento da Receita chegou a 70% em relação a 2013. O maior corte de todos os tempos”, contou Silvia Helena Felismino, presidente do Sindicato Nacional dos Analistas Tributários (Sindireceita), ao destacar que falta gasolina para os carros e dinheiro para manutenção de lanchas.

Há denúncias de que, durante a Copa do Mundo 2014, como não havia verba para deslocamento e estadias de pessoal qualificado nos trabalhos das fronteiras, servidores sem conhecimento específico foram retirados de seus postos para cobrir essa lacuna. No Rio Grande do Sul, disse, não houve fiscalização na fronteira terrestre. O que facilitou a entrada de uruguaios, argentinos, chilenos e paraguaios com produtos que foram vendidos no Brasil para cobrir hospedagem, alimentação e diversões.

Os dados, disse Silvia Felismino, não são públicos porque “a RF é uma caixa preta que não prima pela transparência e não divulga números, especialmente aqueles que revelam erros de auditores-fiscais, como perda de receita com créditos prescritos, que pode ser uma porta aberta para a displicência ou para a corrupção”. Porém, de acordo com a assessoria, a RF “não vai se manifestar sobre o assunto”. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também vem sendo alvo da sofreguidão da equipe econômica.

Ana Magni, diretora da associação nacional dos servidores do Instituto (AssIBGE), disse que a pressão do governo tem reflexos negativos no órgão. No edifício alugado na Av. Chile, no Rio de Janeiro, os servidores se apertam porque a direção foi obrigada a abandonar dois andares. No Pará, o prédio da regional, tombado pelo patrimônio histórico, está caindo. Em Pernambuco, além das infiltrações, o único banheiro funciona do lado de for a da catraca. No Amapá, quando chove, os trabalhadores convivem com baldes no meio do caminho.

“Os carros do IBGE são todos sem seguro, com pneus careca e sem manutenção. Temos relatos de aluguéis e condomínios atrasados pelo Brasil afora. É um caos. A consequência são programas parados. O primeiro programa afetado foi a contagem da população, importante para possíveis mudanças na faixa da participação do município”, revelou Ana Magni. De acordo com a assessoria de imprensa do órgão, os trabalhos do IBGE estão mantidos neste ano de 2014 com a competência, qualidade e eficiência que estão sempre ligadas à produção da instituição.

“Entretanto, diante da redução no Orçamento Geral da União deste ano e do corte de 50% nos gastos do Ministério do Planejamento, o IBGE adiou de 2015 para 2016 a Contagem da População, em razão de um contingenciamento da ordem de R$ 200 milhões. Esse foi o único projeto adiado por falta de recursos financeiros. O Censo Agropecuário está mantido para 2016”, informou a nota do IBGE. Na Polícia Federal também há denúncias de falta de infraestrutura para estadia dos policiais, de infiltrações nas unidades regionais, entre outras.

“A expressão que usamos aqui, quando nos referimos às condições de trabalho, é ‘terra arrasada”, ou seja, vivemos em uma situação constrangedora, principalmente por conta da falta de efetivo”, assinalou Ricardo Deslandes, diretor da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef). Em entrevista ao Correio, no início do ano, o diretor-geral da PF, Leandro Daiello Coimbra, deu a entender que existem exageros. “O orçamento vai sendo ajustado. Segurança é coisa séria para o governo. E cada vez que comprovamos os gastos, vamos tendo verbas descontingenciadas”, revelou.

Falta de efetivo, aliás, é a reclamação de todos os servidores entrevistados. Não há uma categoria que não se queixe e não reivindique a reposição imediata dos quadros. A opinião geral é de que o MPOG não autoriza concursos públicos. Quando consente, é em número inferior ao solicitado. Ou então acaba convocando poucos aprovados. Sempre que questionado, o MPOG afirma que grande número de vagas foi preenchido e dá a mesma resposta: “a nomeação de mais servidores está em análise e poderá ser objeto de autorização durante o prazo de validade do concurso”.

Memória

Em 2012, o governo anunciou bloqueio de R$ 55 bilhões no Orçamento. Em 2013, foram R$ 38 bilhões. E, em 2014, o corte inicial divulgado foi de R$ 44 bilhões. Segundo informações dos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Miriam Belchior, os cortes estão concentrados em despesas de custeio administrativo, como diárias e passagens, material de consumo, locação de imóveis, locação e aquisição de veículos, máquinas e equipamentos, serviços terceirizados, energia elétrica e serviços de tecnologia da informação.

Fonte: Blog do Servidor