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OPINIÃO – ESTADÃO O que se espera da Agência Nacional de Mineração

Infelizmente, o desafio da ANM é inversamente proporcional à sua capacidade administrativa e orçamentária de enfrentá-lo

*Por Ecio Morais

A recente ameaça de greve dos servidores da Agência Nacional de Mineração (ANM) é mais um reflexo da crise que vem sendo gestada ao longo do tempo por absoluta leniência e descaso do governo federal para com a autarquia.

Um estudo da FGV de 2022 mostra que, em 17 anos (2003-2020), o gasto médio anual executado pela ANM em suas atividades-fim foi de apenas 46,5% do total autorizado por lei para seu orçamento. Mais da metade dos recursos que deveriam reforçar sua estrutura administrativa foi revertida para outros destinos.

Criada pela Lei n.º 13.575 de 2017, a ANM, antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), tem entre suas várias atribuições a missão de “promover o acesso e o uso racional dos recursos minerais, gerando riqueza e bem-estar para a sociedade”. É o órgão responsável por regular, gerenciar, fiscalizar e fomentar a política da mineração em todo o território nacional.

Entretanto, entre 2001 e 2021, ao mesmo tempo que o valor da produção mineral brasileira (PMB) aumentava 950%, passando de US$ 7,7 bilhões para US$ 77 bilhões (dados do Anuário Mineral 2021). Na contramão, o órgão teve seu quadro de pessoal reduzido pela metade.

Hoje são apenas cinco servidores para acompanhar o recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) – o royalty da mineração e principal fonte de receita da agência.

Recente relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) elencou deficiências na “transparência, gestão de riscos e controles internos da ANM, com impacto no planejamento, regulação e fiscalização do setor minerário”. O tribunal alertou ainda para a “alta exposição à fraude e corrupção na agência”.

Outros problemas registrados pelo TCU: ausência de marco regulatório voltado à gestão de passivos ambientais da mineração (caso das barragens); déficits orçamentário e financeiro; insuficiência de materiais de tecnologia e recursos humanos; e deficiência no controle da arrecadação da CFEM.

As notícias de agora não são à toa. A ANM está no olho do furacão diante dos impactos decorrentes do garimpo predatório na Amazônia. Infelizmente, o seu desafio é inversamente proporcional à sua capacidade administrativa e orçamentária de enfrentá-lo.

Tal questão afeta a cadeia de valor da indústria de minerais, inclusive a joalheria, que já vinha envidando esforços ao seu alcance para combater a situação e agora se vê envolvida na crise estrutural.

Entre diversas medidas, o setor joalheiro exigiu das Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs), principais fornecedoras de ouro, a implementação de um rigoroso processo de autorregulação e rastreamento do metal, visando à maior transparência e ao controle da origem do metal precioso.

O setor privado tem realizado investimentos e envidado esforços de pesquisa para a implementação de sistemas de georreferenciamento por satélite e tecnologia blockchain de monitoramento da cadeia de comercialização do ouro, de forma a atender as mais exigentes normas de compliance e combate à lavagem de dinheiro existentes.

Além disso, para a adoção de um futuro selo de conformidade, será necessária a adequação a um robusto marco legal, que envolve novos processos para atender a mais de 30 dispositivos legais entre normas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, decretos e resoluções.

Ao contrário do que se pode imaginar, faz falta ao setor produtivo a estrutura de regulação, fiscalização e monitoramento adequada. Sem um eficiente aparato, todo o esforço do setor privado no combate ao garimpo predatório em áreas de conservação e território indígena pode ser em vão.

A rigor, a legislação e as normas que regem a ANM não necessitam de grandes aprimoramentos. Elas precisam ser cumpridas. Para isso, a agência precisa ser fortalecida, profissionalizada e despolitizada. Seus servidores devem ser valorizados. A autarquia precisa ser informatizada e modernizada.

Assim, é necessário que o governo federal, que se diz comprometido com a causa ambiental, e a ANM cumpram o roteiro que já está amplamente detalhado na Constituição. Espera-se simplesmente que a agência cumpra o seu papel.

*Ecio Morais é diretor executivo do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais preciosos (IBGM)

Fonte:  Estadão