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Mercado teme interferência política

O principal temor do mercado é que as agências reguladoras se transformem em departamentos do governo federal. Isso jogaria por terra o conceito de um órgão técnico, sem atuação política, capaz de estabelecer a boa convivência entre governo, setor privado e consumidores, dizem especialistas.

A preocupação decorre não só das denúncias feitas pela ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Denise Abreu contra a Casa Civil. Hoje não é incomum executivos levarem decisões das agências para serem submetidas a algum ministério.

Documento obtido pelo Estado mostra que em recente processo de reajuste e revisão tarifária do Pólo de Concessão Rodoviária de Pelotas (RS), da Ecosul, um diretor da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) teria submetido o processo, já aprovado pela agência, à apreciação informal da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Descontente com a atitude do colega, outro diretor incluiu na ata da reunião um memorando com o relato do caso. No documento, ele afirma que a diretoria sabe de "inúmeras reuniões ocorridas fora do mundo oficial do processo de reajuste". Além disso, afirma que "ações vêm sendo orientadas pelo ministro de Estado dos Transportes, Alfredo Nascimento, também de forma extra-oficial".

Para finalizar, diz que as autoridades externas que vêm atuando informalmente no processo deveriam oficializar suas posições, apesar de não terem competência legal para tal medida. O diretor reclamava também das conseqüências que a diretoria poderia sofrer por causa de todo atraso no processo.

Esse tipo de interferência vem sendo comum desde o início do primeiro mandato do governo Lula, depois que o presidente se mostrou irritado com o aumento de tarifas de combustíveis, energia e telefonia. Na ocasião, ele afirmou que não poderia ficar sabendo desses aumentos por meio dos jornais e classificou os reajustes como excesso de poder nas mãos das agências reguladoras.

Depois desse episódio, os processos tarifários passaram a ser acompanhados de perto pelos ministérios. Se os porcentuais eram considerados altos, o Executivo entrava na jogada e atropelava a decisão das agência. Isso já ocorreu na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), na época de Luiz Guilherme Schymura, e também com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), no parcelamento do reajuste tarifário em alguns anos.

Mas as intervenções não ocorrem só no campo tarifário. O diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires, destaca que mesmo no caso da Aneel, que tem como diretor-geral um técnico amplamente reconhecido pelo mercado, há tentativas de desqualificar as decisões. Isso pode ser verificado em processos como a exportação de energia do Brasil para a Argentina. Em documento obtido pelo Estado, a agência expôs preocupação de que a devolução da energia emprestada ao país vizinho fosse adiado, o que refletiria nos custos do mercado doméstico. Tal alerta foi ignorado pelo Ministério de Minas e Energia.

Em outro caso, há pouco mais de dois anos, a Aneel aprovou o edital do leilão de energia de novas usinas, com uma medida que previa repassar custos adicionais de licença ambiental para as tarifas. O ministério, porém, baixou uma portaria derrubando o dispositivo da agência e transferindo para o empreendedor qualquer custo. A agência acreditava que, com a decisão, tornaria o empreendimento mais atrativo e, conseqüentemente, o custo da energia beneficiaria o consumidor.

No fim de 2006, outro fato ganhou as páginas dos jornais. Em correspondências, o então ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, trocou farpas com o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman. O ministro criticou a resolução da agência que determinava a retirada das térmicas do cálculo do Custo Marginal de Operação.

Na época, Rondeau tentou intervir na decisão da agência. Kelman, entretanto, rebateu as críticas e disse que a medida era necessária para não agravar ainda mais o risco de racionamento. E completou que não poderia "adotar posição de avestruz", que imagina estar resolvendo questões difíceis ao recusar enxergá-las.

Apesar de todas as evidências, Kelman tenta não pôr mais lenha na fogueira e garante que a Aneel consegue tomar todas as decisões de forma independente.

Fonte: estadao.com.br