Reportagem do jornal Folha de S. Paulo desta sexta-feira (14) repercute a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de nomear para duas chefias estratégicas – Porto de Santos e Aeroporto de Guarulhos – servidores sem qualquer experiência em vigilância sanitária. Leia a matéria abaixo e a íntegra do posicionamento oficial do Sinagências sobre a decisão no final do texto.
Por: Danielle Brant
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) nomeou um policial rodoviário federal e uma especialista em regulação de transportes terrestres sem experiência em vigilância sanitária para chefiar seus postos no porto de Santos e no aeroporto de Guarulhos, ambos em São Paulo.
A agência diz que o único requisito obrigatório é ser servidor de cargo efetivo da administração pública federal do Poder Executivo, critério contestado pelo Sinagências, sindicato que representa os servidores de agências reguladoras.
Para comandar o posto no Porto de Santos foi escolhido o policial rodoviário federal Thiago Paulo Pereira de Santana, que ingressou na corporação em 2012.
No currículo disponibilizado na plataforma Sou Gov, ele diz atuar em processos administrativos disciplinares na corregedoria-geral da PRF e no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Já para chefiar o posto no aeroporto de Guarulhos foi nomeada Anna Paola Alleone Luksevicius, especialista em regulação na ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).
O Sinagências diz considerar “temerário” e “um risco desnecessário” que os chefes dos postos não tenham formação ou experiência em vigilância sanitária. “Caso sejam chamados à ação —o que, por vezes, é necessário pela natureza do cargo— não possuirão as ferramentas técnicas e teóricas para tanto.”
Em nota, a Anvisa afirma que, como os cargos eram eminentemente de gestão, apenas um requisito era obrigatório: ser servidor efetivo da administração pública federal do Executivo.
“Todos os demais requisitos de experiência profissional, conhecimentos técnicos, de idiomas estrangeiros e competências comportamentais figuraram como desejáveis”, diz.
A agência diz ainda que, após análise curricular, “os candidatos selecionados demonstraram possuir competências que coadunam com aquelas requeridas para o cargo de gestão”.
O Sinagências vê com indignação a escolha de um nome sem qualquer relação com a área da saúde, ou mínima experiência em vigilância sanitária, para chefiar a fiscalização sanitária do maior porto da América Latina [Porto de Santos], pelo qual circula 25% da balança comercial brasileira. O Regulamento Sanitário Internacional da OMS (Organização Mundial da Saúde) reconhece o porto como um dos principais pontos de entrada do Brasil para fins de enfrentamento de eventos de saúde pública.
Ao selecionar um policial rodoviário federal – que não pertence à carreira da Regulação e não tem nenhuma experiência em vigilância sanitária – para chefiar a fiscalização do Porto de Santos (SP), fere-se princípios elementares da regulação federal, põe-se em risco decisões técnicas que são fundamentais para a segurança sanitária da população brasileira, e ignora-se critérios da portaria que define os procedimentos para seleção de cargos comissionados na agência.
Situação semelhante é verificada na escolha para a chefia do posto de Guarulhos. Trata-se do maior aeroporto do Brasil e da América do Sul. É o segundo mais movimentado da América Latina, tanto em circulação de passageiros quanto de cargas. A importância vital desse posto para a vigilância sanitária exige de sua chefia experiência e conhecimento técnico condizentes. A selecionada para a vaga atua na área de regulação de transportes terrestres, o que causa estranheza, uma vez que havia, dentre os candidatos, servidores do quadro da Anvisa com especialização em vigilância sanitária e mais de 15 anos de atividade de fiscalização em portos, aeroportos e fronteiras.
A portaria da ANVISA afirma, em seu nono artigo, que a experiência profissional, a qualificação técnica e a formação acadêmica são “requisitos obrigatórios”, e que “o candidato que não cumprir quaisquer dos requisitos obrigatórios será eliminado do processo seletivo”. As nomeações, caso confirmadas à revelia de tais critérios, fragilizam o caráter técnico da agência e, em última análise, comprometem o pleno exercício da missão institucional da Anvisa.
Para o Sinagências, dado o caráter técnico da atuação da agência e a sensível importância dos postos para resposta a eventos de saúde pública, é temerário e um risco desnecessário que os ocupantes dos cargos não possuam nem formação, nem qualquer experiência na área de vigilância sanitária. Caso sejam chamados à ação – o que por vezes é necessário pela natureza do cargo – não possuirão as ferramentas técnicas e teóricas para tanto.
Tais escolhas ocorrem num contexto no qual as ações de fiscalização em portos, aeroportos e fronteiras já se encontram seriamente comprometidas pela falta de pessoal, fechamento de postos e orçamento escasso. Lamentavelmente, o enfraquecimento sistêmico e continuado das atividades de fiscalização federal no âmbito das agências reguladoras têm sido a tônica nos últimos anos. Uma realidade que o Sinagências não pode admitir e que contra a qual continuará lutando, em nome da segurança e proteção da sociedade brasileira.