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O presidente da Anatel, Ronaldo Sardenberg, vem fazendo pronunciamentos em defesa não só da Agência, mas de todos os servidores que fazem a regulação das telecomunicações do país, enfatizando a necessidade de uma carreira atrativa, com melhor remuneração e mais capacitação.

O Sinagências vê com otimismo essa linha de manifestação, pois está alinhada às ações do sindicato pela melhoria da gestão e remuneração dos servidores da regulação federal.

Segue a íntegra da entrevista que o embaixador Ronaldo Sardenberg concedeu à Revista Telecom (Edição n.o 216, Páginas 12, 13 e 14. Ano 19 · 2007):

Um diplomata no campo de batalha
Ronaldo Sardenberg precisa da experiência como embaixador para dirigir a Anatel. Negocia a liberação de verbas contingenciadas, quer melhor salários da agência, comprar estudos para orientar estratégias e convencer as operadoras a usar tecnologias mais modernas no Brasil.

Márcio Pacelli

O presidente Lula deu a Ronaldo Sardenberg a tarefa de fortalecer a Anatel. A agência enfrenta um dos momentos mais complicados de sua história. Falta dinheiro. Faltam profissionais. Faltam conselheiros. Sobram pressões de todos os lados. A missão, árdua, foi dada a um embaixador com experiência de quatro anos no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Aqui, Sardenberg negocia entre interesses de corporações e a burocracia da máquina federal. O embaixador anuncia agora a primeira vitória: conseguiu tirar R$ 50 milhões do contingenciamento. E espera conseguir mais até o final de setembro.

JT – O que o senhor considera como sua principal missão na Anatel?

Sardenberg – O meu principal papel é fortalecer a agência. Havia uma percepção de que a agência estava com debilidades. Uma delas era o fato de o conselho estar incompleto. Aqui se tratava de fazer com que a agência funcionasse melhor. Outro fator importante é o problema de recursos. Havia um contingenciamento de R$ 100 milhões para um orçamento total de R$ 350 milhões; e mesmo assim havia a percepção de que o dinheiro estava escasso. A tendência da agência é precisar de mais dinheiro, porque a tecnologia avança muito rápido no setor de telecomunicações. A agência precisa acompanhar esse avanço tecnológico, seja para entender as questões, seja para fiscalizar. Eu já consegui, graças à cooperação das autoridades financeiras, do Ministério do Planejamento e do Ministério da Fazenda, que fossem descontingenciados R$ 50 milhões. No correr de setembro, vamos conversar de novo para ver se é possível descontingenciar ainda mais. Evidentemente, a única coisa que eu não quero é chegar ao fim do ano com dinheiro que eu não possa gastar. Isso seria ruim, porque o cálculo do orçamento do próximo ano levaria em conta o fato de que a agência não usou os recursos disponíveis. Então, provavelmente, perderíamos os recursos.

JT – Como sua experiência anterior como ministro e diplomata contribui para o setor de telecomunicações?

Sardenberg – Essa não é a minha primeira experiência de chegar em um ambiente diferente do meu setor. Por exemplo, eu fui ministro de Ciência e Tecnologia [no governo Fernando Henrique] justamente porque havia certos problemas e eu fui chamado para encontrar soluções. E talvez também tenha importado o fato de que eu não sou filiado a nenhum partido. Quando fui convidado pelo presidente Lula, o presidente me pediu especificamente que eu fortalecesse a Anatel.

JT – O projeto de reestruturação interna está entre as suas prioridades?

Sardenberg – É um aspecto importante. Já foi feito um esforço, mas ele parou. E acredito que agora está chegando o momento de retomar. Quero que aconteça em questão de meses, e não de muito meses. A tecnologia é o símbolo da modernidade. Se a Anatel regula a tecnologia, a Anatel também tem de ser um símbolo da modernidade. É preciso que se faça um novo organograma da Anatel: que a agência abandone a idéia de funcionar dividida por serviços — telefonia fixa, móvel, Internet — e passe a funcionar por processos. Por exemplo, um superintendente que trate de outorgas de todos os serviços, e não de cada serviço em separado. Além disso, a gente tem de pensar nos novos funcionários que estão entrando na Anatel. São funcionários com enorme potencial, porque passaram por um concurso difícil. Além deles, a Anatel tem funcionários antigos, profissionais experientes. É esse time que a gente tem de manter dentro da Anatel.

JT – Mas vocês não precisarão de melhores salários para segurar esse pessoal?

Sardenberg – Sim, tudo isso acaba desembocando num processo de melhores salários, evidentemente. Agora, se não tivermos instrumentos como o organograma, com base em quê vamos reivindicar melhores salários?

JT – A Anatel chegou a produzir alguns regulamentos, como o da portabilidade, sem contratar uma consultoria externa, porque não tinha dinheiro. Essa situação mudará com a recomposição orçamentária?

Sardenberg – Evidente que eu preciso ter visão estratégica. Não basta fazer bem o dia-a-dia. Tenho de pensar para onde caminha a Anatel e quais são as possibilidades. O primeiro ponto é a capacitação dos funcionários: dar aos servidores públicos uma idéia de progresso, e ter servidores capazes de enfrentar os problemas que vêm por aí. Outra coisa é fazer sempre estudos técnicos, de maneira que a Anatel fique à frente do conhecimento. Isso demanda gente e demanda recursos. Comprar os relatórios feitos por grandes organismos internacionais custa dinheiro. Por isso, é preciso fazer estudos que sejam não só técnicos, mas também estudos de mercado. Precisamos ter uma idéia de como o mercado está progredindo.

JT – A universalização dos serviços com recursos do Fust (Fundo de Universalização de Telecomunicações) nunca funcionou. O governo só agora está conseguindo gastar R$ 1,3 milhão do fundo. O caminho da universalização não depende de maior estímulo à competição?

Sardenberg – Um milhão e pouco já é alguma coisa. Em termos de recursos não chega a ser uma soma muito impressionante. Mas o importante é que se abre uma porta. Estamos começando a construir uma coisa relevante. Há outras questões ligadas à universalização que poderão ser financiadas por esse fundo. A universalização visa diretamente o consumidor. Se há uma universalização (que é algo democrático), não se pode criar um país onde uns têm acesso e outros não têm acesso, ou uns têm acesso e outros têm acesso precário. A idéia da tecnologia moderna não é essa; é a idéia da disseminação. Nos países desenvolvidos há a total disseminação das tecnologias modernas. Aqui, nós temos as mesmas aspirações que o público dos países desenvolvidos. A competição deve melhorar os serviços. Portanto, uma estrutura competitiva que exige performance das companhias também redunda em benefício para o usuário.

JT – Sua chegada ao setor de telecomunicações coincide com a evolução das discussões sobre uma regulamentação, principalmente, sobre a convergência tecnológica. O senhor já chegou a tratar alguns temas em audiências no Congresso Nacional. Qual a sua expectativa de criação de novas regras?

Sardenberg – Acho que esses assuntos são muito complicados. Por isso, estamos estimulando a realização de estudos internos aqui na Anatel para que possamos ter uma posição. Isso também faz parte da idéia de ter uma visão estratégica. Por exemplo, nós temos uma idéia geral de que a LGT [Lei Geral de Telecomunicações], a lei da TV a cabo e os instrumentos infralegais precisariam passar por um processo de convergência para acompanhar a convergência do mundo tecnológico. Isso está sendo estudado. O que está acontecendo? Existem novos modelos de negócios e a Anatel precisa ter um arcabouço técnico e jurídico que dê amparo e sustentação a esses novos modelos. Mas quando se fala em lei, seja a criação ou seja a modificação de uma lei, o papel central é sempre do Legislativo. A Anatel consegue dar conselhos, às vezes técnicos, às vezes jurídicos, às vezes políticos. Mas a decisão final vai depender dos processos comandados pelo Legislativo. Na Anatel, nós temos um compromisso de continuar a tentar a regulamentação. Por enquanto, as idéias ainda são gerais.

JT – Neste ano acontecem duas licitações importantes para a telefonia móvel, a das chamadas sobras do SMP (serviço móvel pessoal) e a das freqüências da terceira geração (3G). Possivelmente será o maior movimento pós-privatização. O senhor tem alguma expectativa especial em relação a essas licitações?

Sardenberg – As duas licitações são, sem dúvida, um avanço. No começo de 2008, os contratos devem estar em fase de assinatura e execução. Isso ilustra um pouco o problema da Anatel: o desafio. Eu não sei se é o momento mais importante desde as privatizações, mas posso dizer que é um momento muito agitado. Há um interesse forte no mercado. Eu estou convencido que a gente só faz o nosso lugar no mundo, inclusive no mundo das telecomunicações, se tiver uma abertura em leque. O setor precisa ter pesquisa e desenvolvimento, precisa ter um setor industrial mais forte, ter capacitação, ter capacidade de venda, enfim, tem de saber comercializar.

JT – Mas as exportações de celulares estão caindo.

Sardenberg – Exatamente. Esse é um aspecto. Então, o que podemos fazer nessa fase? Temos de ser ágeis como sociedade, como governo, como economia. A gente tem que continuar investindo no setor de telecomunicações como um todo. Isso abre espaço. Por exemplo, as operadoras têm de ter disposição de investir em pesquisa e desenvolvimento no Brasil. Eles precisam arredondar o negócio deles nesse aspecto.

JT – Existe uma oportunidade aí?

Sardenberg – Acho que sim. Porque nós também precisamos gerar tecnologia no Brasil e não só adquirir tecnologia do exterior. Porém, isso depende muito do Legislativo e do Executivo para abrir as oportunidades e incentivos. Essa é uma tarefa em que a gente vai se empenhar agora. Se esse é um momento tão importante para o mercado, nós da Anatel também temos de ter um momento criativo. Temos de fazer tudo isso de uma maneira organizada. É fácil eu chegar e dizer que tenho duas ou três leis e não sei quantos instrumentos infralegais que precisam ser reformados. O problema não é esse. O problema é saber em que ordem, de que forma eles serão reformados. Porque como esse é um processo essencialmente político, há sempre o risco de que haja um impasse; há sempre o risco de que haja um congestionamento.

JT – O senhor acha que a sua experiência como diplomata ajudará nas questões políticas?

Sardenberg – De certa forma, sim. Sou treinado para resolver questões desse tipo. Eu trabalhei duas vezes no Conselho de Segurança das Nações Unidas; foram quatro anos. Lá, a gente se reunia e ficava tentando resolver os problemas. E por serem países diferentes, era difícil. Aprendi que é preciso encontrar soluções que tenham o maior apoio possível, não necessariamente o consenso. Se você radicalizar, de uma forma ou de outra, se imaginar que resolve todo o problema ao beneficiar um setor, está enganado.

JT – As concessionárias de telefonia fixa brigam para entrar no mercado de TV por assinatura. A polêmica continuará ou já se caminha para uma regulamentação que permita às concessionárias oferecer o serviço em áreas locais?

Sardenberg – A polêmica continuará. E o assunto ficará mais polêmico até que se resolva. É parte do processo. Mas a polêmica, em si, não é ruim. Para mim, é uma experiência interessante eu dizer uma coisa num seminário e, no dia seguinte, ter os interessados no outro lado querendo falar comigo. Temos de ouvir as pessoas, porque esse é um setor com muita sensibilidade. Tudo o que discutimos acaba se traduzindo em prejuízos ou em ganhos. Então é preciso encontrar as fórmulas de melhor sustentabilidade.

JT – Outra questão sem solução, no momento, é a licitação das freqüências de 3,5 GHz e 10,5 GHz, conhecida como o leilão do WiMAX. Quais as perspectivas para o desfecho dessa licitação?

Sardenberg – Não sei. Nós temos intenção de fazer isso o mais rápido possível. Isso é um consenso aqui dentro. Mas não é uma tarefa simples. Evidentemente o interesse da Anatel é que as novas tecnologias cheguem ao Brasil, de uma maneira positiva. Se não chegarem, o Brasil ficará atrasado. Como o país vai dar os passos adiante se estamos sendo amarrados por decisões de parar as coisas? Há maneiras diferentes de fazer as coisas. E nós vamos trabalhar de diferentes maneiras. Mas há algum cronograma ou datas?

Sardenberg – Não, ainda não tenho. Tenho intenções, mas não vou além disso.

JT – O senhor assumiu a Anatel pregando a necessidade de garantir segurança jurídica para investidores, mas, em contrapartida, exigir mais qualidade das operadoras no atendimento ao usuário. Podemos esperar a redução das reclamações contra as operadoras no call center da Anatel e nos serviços de defesa ao consumidor?

Sardenberg – As operadoras têm enorme interesse no mercado brasileiro. E elas têm uma oportunidade muito importante do ponto de vista econômico. Então elas têm de buscar formas de se integrar ao Brasil, usando suas principais tecnologias. Mas as operadoras também têm de fazer com que os usuários reais as reconheçam como atividades positivas. Caso contrário, eles ficam reclamando o tempo inteiro. Por que isso é importante para as empresas? É bom do ponto de vista de negócios e também assegura o futuro das operadoras. Se você tirar o dia-a-dia, se você pensar no aspecto de mais longo prazo, evidentemente que as operadoras têm interesse nisso. É preciso que as operadoras sejam boas cidadãs no Brasil, digamos assim; ou elas vão encontrar dificuldades. Olha, a quantidade de telefonemas que eu recebo… De repente o sujeito descobre o meu telefone aqui e fica ligando para reclamar.

JT – E o senhor resolve?

Sardenberg – Encaminho à pessoa de direito [risos]. Mas eu procuro me interessar. Para mim, o lado positivo é que me dá uma percepção do usuário, inclusive do nível de irritação. Eu acho que esse nível de irritação não é construtivo para as operadoras. E tenho certeza de que as operadoras também sabem disso. Eu tenho recebido várias informações de que o serviço está melhorando — não são informações de dentro da Anatel, são as empresas que me informam. Eu faço votos de que essas informações sejam verdadeiras.