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Uma reflexão ao vídeo ‘História das Coisas’, por Elísio Nunes

Alguém pode afirmar que “A História das Coisas” é óbvia porque através das informações seja pela mídia ou por outros meios, todos nós tomamos conhecimento de que a Extração – Produção – Distribuição – Consumo e Tratamento de Lixo estão fora dos propósitos racionais da vida que podem complicar não só as gerações futuras, mas também a nossa.

O valor e a importância do vídeo residem na sua apresentação didática que nos desperta para o destaque daquilo que nos parecia óbvio, mas que, às vezes, não percebíamos justamente por ser “óbvio”: a extração bruta dos minerais e das florestas; a produção massificada de novos(?) produtos desnecessários; a globalização da distribuição; o consumismo e o descarte de tudo sem sustentabilidade.

Com a globalização e o liberalismo, além da ação individual ou coletiva, cada Estado deve normatizar as atividades econômicas para amenizar as consequências dos estágios que estão praticamente consolidados na economia mundial.

Didaticamente nos é mostrado a globalização da economia e como se dá a ganância pelo lucro e a nossa (obrigatória?) inserção nesta roda viva.

Todos são atingidos e se tornam iguais para consumirem (gastar o que tem e o que não tem através de endividamento). É uma coisa quase que automática. As pessoas são levadas a consumirem de todo jeito. À vista, pelo crediário, cheque pré-datado, pelo cartão, fiado, em data comemorativa (Natal, dia dos pais, das mães, dos namorados etc). E, ai daquele que não consumir nesta roda desenvolvida pelo capitalismo. Essa sensação – consumo, derivada de convencimento interno ou externo (efeito demonstração, propaganda subliminar ou direta) produz satisfação ou decepção – dívida, negativação do crédito etc., que transtorna a vivência mesmo que por pouco tempo. E, como.

Afinal, conscientemente ou não também somos responsáveis pela tragédia anunciada do meio ambiente.

Deste fantástico vídeo destaquei o consumismo induzido porque é o que nos atinge mais diretamente (o nosso bolso) e nos hipnotiza.

Tomo a liberdade de transcrever abaixo trecho do livro (/;Fundamentos da Vigilância Sanitária/ organizado por Suely Rozenfeld – 2000 – FIOCRUZ – pg. 16) que tem tudo a ver com o consumismo.

A ideologia do consumo

“Uma das principais características das sociedades modernas é o consumo sempre crescente de mercadorias, bens e serviços, inclusive de produtos de interesse sanitário, de tecnologias médicas e de serviços de saúde.

Esse consumo está distante das reais necessidades das pessoas, pois não se baseia em escolhas livres e conscientes, mas num sistema de necessidades determinadas por toda a organização social. Isso ocorre porque o modo de produção capitalista – cujo móvel é o lucro – cria o imperativo de produzir e de vender, em escala crescente, não apenas produtos que aprimoram o bem-estar dos homens, mas também velhos produtos “maquiados”, ou novos produtos, elaborados para atender fictícias necessidades, ou necessidades artificiais criadas. Um complexo sistema de propaganda alimenta as necessidades, num processo coletivo que aprisiona as vontades individuais e estimula incessantemente o consumo. A ideologia do consumo transforma as coisas e as pessoas em objeto de compra, mascara as diferenças entre os vários segmentos da sociedade e simula a igualdade entre todos.”

“Na dinâmica contraditória e complexa desses processos são gerados muitos riscos e danos à saúde do indivíduo e da coletividade, assim como ao meio ambiente e à economia do consumidor.”

Como dei destaque apenas ao consumismo achei interessante também citar o Código de Defesa do Consumidor – Lei Nº 8.078/90; Lei Nº 7.347 e o Decreto Nº 5.903, que são marcos normativos importantes, que garantem ao consumidor a responsabilidade do produtor pela qualidade de produto e serviço e estabelece o princípio da “inversão do ônus da prova”, que em caso de irregularidade do produto o fabricante terá que provar que o produto é bom para consumo, porque o consumidor é o elo frágil da relação produção-consumo.

Eu etiqueta

E nada melhor do que um poema de Carlos Drummond de Andrade para finalizar as minhas reflexões sobre esse consumismo provocado que nos atinge.

E você, como se sente neste contexto? Já fez a sua reflexão sobre o vídeo?

EU ETIQUETA

Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome… estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, permência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou – vê lá – anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.

Vídeo: Poema “Eu, etiqueta”,
de Carlos Drummond de Andrade

Titulo: Poema “Eu, etiqueta”, de Carlos Drummond de Andrade
Resumo: Neste vídeo a professora Marilda Vasconcelos interpreta
o poema “Eu, Etiqueta”, de Carlos Drummond de Andrade.