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Como uma matéria da imprensa distorce informações para depreciar a imagem dos servidores públicos junto à sociedade

No último dia 9 o jornal Valor Econômico publicou matéria com o seguinte título: "Servidor federal ganha 101% mais que funcionário privado", com o subtítulo "Estado paga o dobro do salário do setor privado".

A Diretoria de Comunicações do Sinagências enviou a referida matéria por entender que os servidores das Agências Reguladoras devem se manter bem informados, com as mais variadas matérias, tanto com pontos de vista positivos como negativos. É preciso estar atento com as discussões travadas na mídia que discorram sobre regulação, no geral ou por Agência, como também sobre temas relacionados ao serviço público, aos seus servidores como um todo.

Foi com base nisso que em março desse ano divulgamos matéria do Correio Braziliense com o seguinte título: “Estudo desmente inchaço na máquina pública

Contudo, evidentemente, as matérias da imprensa que são divulgadas não refletem a opinião do Sindicato, salvo quando constar nota da entidade a respeito.

Muitas das vezes nos valemos de não comentar matérias da imprensa, por entender que o exercício da reflexão de cada um dos servidores é mais importante do que o que ocorre muito nos dias de hoje, deixando os servidores ilhados (desinformados) sobre o que se passa nos jornais impressos e nos portais jornalísticos na Internet (onde muitos deles não são de sua leitura diária, mas é de muitos brasileiros) ou realizando produção em massa de opiniões fabricadas a toque de caixa e distorcidas, numa retórica vazia, com o fim de pura e simplesmente ludibriar o leitor, sem dar espaço para a reflexão das idéias e dados, que deveriam ser informados com imparcialidade.

É com satisfação que recebemos e-mails dos servidores refletindo sobre a referida matéria do Valor Econômico, dando seu ponto de vista, discutindo e preocupados com as opiniões dos entrevistados e com os textos de opinião do Jornal inseridos entre uma e outra entrevista.

Quanto à matéria em si, contestamos a legitimidade das comparações que resultaram nos dados ali apresentados e o sentido depreciativo das opiniões intercaladas entre uma entrevista e outra na referida matéria. Ainda, alertamos que, para o leitor ser bem informado, caberia a disponibilização da pesquisa e dos cálculos na íntegra ou apontamento da localização.

A seguir, seguem comentários sobre alguns pontos controversos da matéria:

Ora, o título e subtítulo acima têm o mero propósito de causar impacto no leitor e depreciar a imagem que a sociedade tem dos servidores públicos, por supostamente terem remuneração muito acima da realidade do trabalho que executam, em comparação com a iniciativa privada, além de ser contraditório com a matéria em si.

Vejamos os seguintes trechos da matéria, começando com o primeiro parágrafo: ”A política de recuperação do valor dos salários dos servidores federais aumentou a diferença entre o salário médio destes funcionários e a remuneração dos trabalhadores no setor privado. O salário dos servidores federais estatutários, aqueles com direito aos benefícios do regime jurídico único da União, como estabilidade no emprego e aposentadoria integral, superou em 101,3% o ganho dos funcionários da iniciativa privada em 2008. (…)”.

Ressalta-se o fato da segunda oração do trecho acima, sobre os “benefícios”, ter sido repetida na íntegra no quinto parágrafo da matéria, como se o leitor não já tivesse lido. O propósito é claro, reafirmar as informações “de efeito” até a consolidação do viés objetivado pela matéria.

Mais à frente, afirma que “Uma abordagem mais concentrada dos dados da Pnad mostra que o salário médio real dos servidores federais estatutários passou de R$ 3.599 no fim de 2002 para R$ 4.171 no ano passado, enquanto o ganho médio de funcionários da iniciativa privada com carteira assinada – exceto domésticos – variou de R$ 974 para R$ 983 no mesmo período”.

Contudo, algo ficou lacunoso. Com base em quais valores foi gerada a porcentagem de 101,3% referida no primeiro trecho acima transcrito? Com nenhum dos valores dispostos em seguida é possível chegar a esta relação percentual.

Ainda, a informação é dúbia. O valor bruto da remuneração representa o dobro do que é pago na iniciativa privada ou foi a média do ganho conquistado pelos trabalhadores do serviço público (recomposição remuneratória) que foi maior do que a média do ganho conquistado na iniciativa privada?

Fazendo algumas comparações com os números apresentados no segundo trecho acima transcrito, diante do universo de profissões componente da pesquisa, observa-se que o salário médio real dos trabalhadores da iniciativa privada teve um ganho de somente R$ 9,00 no período, o que representa cerca de 0,92% de aumento. Enquanto isso, no serviço público, este ganho no salário médio real foi de R$ 572,00, representando 15,89%. Com isso, resta comprovado o que foi afirmado pelo economista Anselmo dos Santos da Unicamp logo em seguida na matéria, em resumo, de que não se pode comparar universos distintos.

A curva do salário médio real dos trabalhadores da iniciativa privada tem uma tendência natural de pouco aumento, diante da abrangência da pesquisa do Pnad, que agrega todos os trabalhados, exceto os domésticos. Historicamente a luta dos trabalhadores de segmentos muito fragmentados e pouco organizados (esmagadora maioria dos brasileiros) representa a profunda desigualdade de distribuição de renda de nosso país, marcados por baixos salários, o que, na continuidade dessa realidade social injusta, faz com que a média do salário real continue aumentando muito pouco a cada ano.

Nesse sentido, se querem comparar remuneração do setor público com o privado, comparem com a remuneração de empregos similares.

Comparação legitima seria com universos iguais. Quando isso foi feito, por exemplo, em trecho mais à frente na própria matéria, pôde-se constatar déficit do que é pago no serviço público. Vejamos: “Na iniciativa privada, o valor médio da remuneração de um gerente de telecomunicações, conforme pesquisa semanal do Datafolha, é de R$ 9.325”. Ao afirmar antes que um servidor da Agência Reguladora do setor de telecomunicações recebe em início de carreira de R$ 2.068,98 a R$ 8.955,20, comprova-se que este salário, na verdade, representa um déficit com relação ao que é pago para função similar na iniciativa privada.

Ou será que o regulador tem que ter remuneração menor do que a de quem ele regula? Ou o trabalho exercido por um Engenheiro, Contador, Bacharel em Direito, Enfermeiro ou Médico no serviço público é menos digno do que o exercido na iniciativa privada?

Ainda, a matéria destaca quatro vezes (isso mesmo! quatro vezes!) que os institutos da estabilidade e aposentadoria integral são atrativos, benefícios que vão além do salário. Pelo que se depreende do disposto nestes trechos intercalados entre as opiniões dos entrevistados, a matéria transparece a suposição de que a remuneração dos servidores não precisaria ser as relatadas na matéria (apresentadas como se fossem fora da realidade, muito acima do que é pago na iniciativa privada, o que é incorreto), pois os servidores possuem estes dois maravilhosos benefícios.

Quer dizer que alguém que trabalha na iniciativa privada pediria demissão de um bom emprego recebendo, por exemplo, R$ 5.000,00, para tomar posse num cargo público que pagaria R$ 2.500,00 somente por conta da estabilidade e aposentadoria que terá, passados 30 anos na ativa, pouco importando se teria que degradar a qualidade de vida de sua família? Isso não ocorre e é irrealista.

Sem delongas, a estabilidade no cargo público é inerente às funções de Estado que são desempenhadas pelos servidores, para os proteger de arbítrios e pressões que podem vir a existir durante um ou outro governo que esteja no poder em dado instante. Não é benefício! É necessidade; para que os servidores possam desempenhar suas funções e perseguir o bem-estar da sociedade, sem que tenham em cima de suas cabeças uma “espada” os ameaçando de demissão caso não se atenda comando X ou Y, mesmo que irregular, ilegal ou que desvirtua o interesse público que a administração tem que ter como meta permanente.

Ainda… “Aposentadoria integral”? Qual? Ainda existe isso?

No momento de se aposentar, naquele mês, a remuneração da inatividade pode até ser próxima do que se recebia na ativa, pelo menos até começar a ser depreciada, corroída pela inflação, diante de recomposições remuneratórias diferenciadas entre os concedidos para os servidores da ativa e para os aposentados, contudo, este valor de aposentadoria tem um custo para o servidor, que a imprensa não informa, para não tirar o caráter depreciativo da imagem do servidor junto à sociedade, por receberem supostamente recebem inúmeros “benefícios”.

Ora, para custear sua aposentadoria, os servidores pagam todo mês 11% sobre o total de sua remuneração a título de Contribuição do Plano da Seguridade Social. Todos sabem que existe um teto de beneficio da previdência social para os trabalhadores da iniciativa privada, que hoje é de R$ 3.218,90. Isso significa que, não importando qual seja o salário de um trabalhador da iniciativa privada, se 10, 20 ou 30 mil reais por mês, por exemplo, ele somente paga os 11% de contribuição para a previdência até o teto, representando um desconto mensal de R$ 354,08 para custear sua futura aposentadoria, igualmente para os salários exemplificados, e sempre implicará, no final, em uma aposentadoria limitada ao teto referido. Querendo receber uma aposentadoria maior que o teto, o trabalhador deve necessariamente contar com alternativas, como planos de previdência privados.

De outra forma, no setor público o servidor paga os 11% em cima de todo o seu salário, desde o início de sua carreira. Assim, a aposentadoria nos moldes de hoje, acima do teto do que é disposto na iniciativa privada, não é benefício, é custeada pelos próprios servidores, mês a mês, com seu dinheiro, fruto de seu trabalho em prol do Estado, da sociedade. É paga! Não é dada! Não é de graça!

Estendendo-se um pouco mais no presente texto, se faz necessário desmistificar algumas impropriedades técnicas dispostas na matéria, em consonância com o ordenamento jurídico e dados corretos a respeito, sem necessariamente defender o governo. Assim, vejamos a contradição de outras duas afirmações na referida matéria que distorcem a realidade.

Afirma-se que é “culpa” do governo federal a elevação “em mais de 40% (em termos reais) das despesas com pessoal da União entre 2003 e 2008”.

Como assim? A União é composta pelos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário (art. 2º da Constituição Federal). Quer dizer que agora o Poder Executivo é detentor da iniciativa de encaminhamento ao Congresso Nacional de projetos de lei de aumento remuneratório dos servidores dos outros dois Poderes? O Poder Executivo administra os recursos humanos do Legislativo e Judiciário? Não existe mais o princípio da separação dos poderes expresso na Constituição?

Não é isso. O Poder Executivo não é responsável por toda a União, pelos gastos com servidores dos outros dois poderes, pois as leis de aumento de remuneração no Legislativo e Judiciário são de iniciativa privativa de membros internos a estes poderes, conforme disposto nos arts. 51, IV, e 52, XIII, quanto ao Poder Legislativo, e art. 96, II, "b", quanto ao Poder Judiciário, todos da Constituição Federal. No âmbito do Poder Executivo, o encaminhamento de lei de aumento de remuneração é de competência privativa do Presidente da República, conforme dispõe o art. 61, § 1º, II, "a", da CF, e somente com relação ao poder que administra é que é responsável.

Ainda, sobretudo, nos últimos tempos o governo vem atendendo demandas de recomposição remuneratória de praticamente todas as categorias do funcionalismo tendo em vista anos anteriores de degradação do poder de compra e política de não aumento salarial dos servidores ou em razão de correções nas estruturas de carreiras variadas, o que, diga-se de passagem, ainda não foi suficiente para corrigir certas injustiças e erros estruturais ainda existentes.

Sobre cobrança de resultados, é evidente que devemos trabalhar com vistas a resultados efetivos, ao aperfeiçoamento da máquina pública, conforme até já discutimos em matéria passada do sindicato (clique aqui para ler). Contudo, como é que podem cobrar resultados de mais 1 milhão de servidores federais se somente encontram-se na ativa exatos 504.607 servidores, incluindo os de livre nomeação? Somente se pode cobrar resultado de quem está na ativa, trabalhando! Ou os aposentados e pensionistas também precisam gerar resultados, voltar a trabalhar?

Por fim, sobre o mito do inchaço da máquina pública, indicamos que os servidores leiam o estudo do IPEA referido na matéria do Correio Braziliense acima mencionada (clique aqui e veja o estudo na íntegra) e o artigo publicado na Revista Res Pvblica (clique aqui). Tais estudos desmistificam o mito de que a Administração Pública tem excesso de servidores, realizando comparações entre variados países e com Estados membros da nossa República, como São Paulo.

Assim, perguntamos e deixamos para cada um refletir: Qual é o objetivo de matérias como estas divulgadas à sociedade?

Nei Jobson
Diretor de Comunicações do Sinagências

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