Contaminado pela forte emoção de uma crise de incompetência no setor aéreo, que levou a duas centenas de mortes, o debate sobre as agências reguladoras, travado no governo e no Congresso, tem sido conduzido de forma desfocada e irracional e servido para introduzir velhos e ultrapassados ingredientes ideológicos, que atuam contra os direitos do cidadão e afugentam investimentos privados em infra-estrutura. Em tramitação no Congresso há três anos, de repente o projeto de lei virou matéria de urgência, que precisa ser votada a toque de caixa. E o que se discute não são as premissas básicas que precisam constar na lei: autonomia de ação e decisão, independência financeira e competência na gestão para garantir eficiência na prestação do serviço, tarifas justas e equilíbrio econômico-financeiro das empresas.
Nada disso. Pobre, a discussão é concentrada em buscar meios legais para demitir diretores, pondo em risco um dos pilares que sustentam a autonomia de ação e afastam pressões políticas sobre diretores. Pobre e oportunista, porque governo e parlamentares se valem de omissões e erros praticados por uma única agência, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), para mudar a legislação de todas, sem distinção, e sem observar características diferentes entre elas, como bem acentuou o ministro da Defesa, Nelson Jobim.
O que mais impressiona é que o debate ignora solenemente os reais motivos que originaram os problemas na Anac: a contratação de pessoas sem especialização e sem capacidade técnica para exercer a função e que para lá foram unicamente por força do jogo rasteiro da barganha de indicações políticas de partidos da base aliada. Não, parlamentares e governo não se preocupam em criar regras que definam diretores de agências como função de Estado, com exigências de conhecimento técnico do setor, excluídas da barganha político-partidária e voltadas para garantir o compromisso de estimular o investimento, zelar pela estabilidade de regras e contratos e cobrar das empresas eficiência na prestação do serviço.
Em vez disso invertem a ordem da lógica e buscam formas legais para o presidente da República subjugar diretores a seu mando e caprichos políticos ou, não atendido, demiti-los a qualquer momento e por motivos nada claros. Pelo histórico de loteamento de cargos públicos deste governo, o objetivo parece ser fazer das agências um instrumento banal de nomeações políticas, onde um diretor incompetente é trocado por outro igualmente incompetente, mas dócil ao deputado que vai lá pedir um favor ou ao ministro que ordena atender a um pleito de uma grande empresa.
Em debate na Câmara dos Deputados, na quarta-feira, o subchefe da Casa Civil, Luiz Alberto dos Santos, disse que, em recente análise sobre o perfil dos diretores de agências, o governo concluiu que são poucos os casos de pessoas sem preparo técnico. Espanta a desfaçatez do governo diante de tantos erros da Anac e do aparelhamento político das agências nos últimos quatro anos. Agora mesmo o indicado para a Anvisa é o ex-ministro dos Esportes Agnelo Queiroz, que mal ouviu falar em vigilância sanitária.
É verdade que a legislação dificulta a demissão e precisa mudar. Atualmente o diretor de uma agência só pode ser afastado por renúncia ou, em caso de falta grave, se for condenado por um processo administrativo. É uma solução que não serve, é confusa, porque, enquanto o processo não for concluído, o diretor continua exercendo a função, mas desmoralizado e sem autoridade perante os subordinados.
Mais simples seria explicitar na lei critérios de contratação e demissão. E definir em detalhes – para não deixar margem a interpretações subjetivas – os casos em que o diretor pode ser demitido (corrupção, desvio de conduta, incompetência comprovada, etc.) e dar ao presidente da República a prerrogativa não de afastá-lo, mas de indicar ao Congresso que seja ele submetido a uma nova sabatina, ao final da qual sua demissão seria ou não aprovada por maioria qualificada (três quintos dos votos)
A alternativa de avaliação por sabatina periódica, que tem sido proposta, não é recomendável, porque os parlamentares com interesses em alguns serviços públicos podem usá-la como arma de chantagem contra o diretor. É o caso da Anatel que regula e fiscaliza emissoras de rádio e TV, de propriedade de deputados e senadores, que podem usar a sabatina para destruir diretores que se recusarem a atender a seus habituais pedidos de favores.