Rosana Hessel
Publicação: 14/11/2010 08:10 Atualização: 14/11/2010 08:24
A ex-ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, prometeu durante o primeiro discurso como presidente eleita que “as agências reguladoras terão todo respaldo para atuar com determinação e autonomia, voltadas para a promoção da inovação, da saudável concorrência e da efetividade dos setores regulados”. Na campanha, chegou a defender “uma maior contratação de engenheiros e técnicos e uma redução nos quadros de auxiliares sem qualificação no governo”. Mas pouca gente acredita nisso, dado o movimento de indicações políticas do governo Lula, estruturado em sua essência com a ajuda de Dilma. Nos oito ano do governo que se encerra em dezembro, o conhecimento técnico foi colocado em segundo plano na composição dos órgãos reguladores, cujas decisões afetam diariamente a vida de cidadãos e contribuintes.
Ao tomar posse, Dilma terá à disposição, para indicações, pelo menos 11 cargos vagos em 10 agências reguladoras. Ao longo dos quatro anos de mandato, poderá apontar praticamente todos os diretores desses órgãos, com exceção de dois da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que entregarão a cadeira depois de 2014. Logo, caberá à futura presidente nomear todos os ocupantes de 45 cargos, que serão disputados a tapas pelos partidos da base aliada, a exemplo dos ministérios e comandos de estatais. Procurada, a equipe da futura presidente não quis tratar do assunto.
Um dos postos foi aberto pelo governador eleito do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, ao deixar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para disputar as eleições. Na Agência Nacional do Petróleo (ANP), também há uma vaga. A diretoria colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem duas cadeiras vazias e outra será desocupada na Agência Nacional do Cinema (Ancine) em dezembro. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também deverá registrar uma baixa este ano, a do diretor Edvaldo Santana, técnico do setor, que deverá trocar o governo pela iniciativa privada.
Credibilidade
O aparelhamento político das agências reguladoras tem sido recorrente ao longo dos dois mandatos do presidente Lula, apesar das negativas veementes dos órgãos e dos próprios indicados. A perda de credibilidade e até de identidade de algumas instituições é crescente, uma vez que os gestores escolhidos têm pouca familiaridade com a entidade que reprensentam. Em muitos casos, sequer vieram da área de atuação do órgão regulador. “O discurso de Dilma indica que ela privilegiará as indicações técnicas. Isso não vem acontecendo nos últimos tempos.
Espero que ela realmente cumpra a promessa, pois as agências precisam de técnicos e de autonomia para executar seus papéis, como regular e fiscalizar”, diz o secretário executivo da Associação Brasileira das Agências de Regulação (Abar), Marco Antonio Sperb Leite.
Executivos do setor elétrico, que tiveram uma convivência mais próxima de Dilma — ela também foi ministra de Minas e Energia —, estão confiantes que a presidente eleita privilegiará os atributos profissionais nas futuras indicações. “Entendemos que a Dilma vá fazer uma opção por dirigentes técnicos. Pode até ter uma conexão política, e provavelmente terá. Mas não acreditamos que ela coloque políticos nas agências”, afirma o presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine), Luiz Fernando Leone Vianna. Mas essa lógica baseia-se na exceção. A Aneel, que foi muito próxima à ex-ministra, não podia errar e levar o país a um segundo apagão, a exemplo do que maculou o governo Fernando Henrique Cardoso. Daí a ordem de não sucatear o órgão regulador.
A senadora Marisa Serrano (PSDB-MS) defende categoricamente a indicação de pessoas capacitadas para as diretorias colegiadas das agências reguladoras. “É preciso competência técnica para esses cargos. Nesse governo, houve um descaso no preenchimento das vagas com pessoal sem afinidade com os órgãos, com a fiscalização ou com o acompanhamento dos processos. Isso é muito preocupante para a democracia”, critica. E dá exemplo: a recente nomeação do ex-técnico de basquete Luiz Macedo Bastos para a diretoria da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Bastos é apadrinhado pelo senador suplente de Minas Gerais Wellington Salgado (PMDB), que assumiu a vaga do ex-ministro das Comunicações Hélio Costa (PMDB). “Isso é um absurdo, pois é evidente a desqualificação das pessoas que ocupam as atuais cadeiras”, diz Marisa.
Banalização
Em 2007, a forma amadora como a então diretora da Anac, Denise Abreu, indicada pelo ex-ministro José Dirceu, comportou-se diante do grave acidente envolvendo o jato Legacy e o Boeing 737 da Gol foi emblemática para que uma avalanche de críticas caísse sobre a instituição e o aparelhamento político da agência. A crise aérea desencadeada pelo acidente culminou com a renúncia de Denise no ano seguinte. “Naquela época, como havia holofotes sobre a Anac, o governo preocupou-se em fazer indicações técnicas. Hoje, quando a poeira baixou, já voltou a fazer indicações políticas”, diz o economista e sócio da consultoria Pezco, Frederico Turolla.
A banalização do aparelhamento político nas agências é tanto que até o compositor da música Telma eu não sou gay, o assessor especial da Casa Civil André Barbosa, está cotado para a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). “Esse tipo de indicação dá mais munição aos críticos das indicações políticas nas agências. Com isso, elas estão cada vez mais enfraquecidas”, lembra Turolla. O caso de Barbosa, porém, não ilustra exatamente a banalização a que se refere o economista. O assessor que trabalhou com Dilma tem doutorado em comunicações pela Universidade de São Paulo (USP) e foi um dos técnicos que trabalharam no projeto da TV digital.
Nelson Hubner, presidente da Aneel, a mais antiga entre as agências reguladoras, procura contemporizar, mas evita tecer comentários sobre a polêmica das indicações políticas nos órgãos reguladores. “A indicação dos diretores é um processo político, mas eu não questiono. É feita a indicação pelos ministérios responsáveis pelas agências e os nomes são enviados ao Senado, onde são sabatinados em uma audiência pública. E eles têm que estar aptos para exercer essa função”, afirma.
Projeto de lei
O secretário executivo da Abar critica, principalmente, a falta de um arcabouço jurídico para regulamentar as agências. “A regulamentação das agências engatinha há dez anos e continua engavetada. Isso é ruim para a credibilidade e a independência delas”, diz Leite. O Projeto de Lei nº 3.337/04, por exemplo, está parado na Câmara. O texto versa sobre a Lei Geral das Agências Reguladoras e determina, entre outras coisas, que os processos de outorga e concessão de serviços públicos, no plano federal, fiquem a cargo dos ministérios, cabendo às agências as funções de regulação, fiscalização e controle. Turolla afirma que o PL contribui para uma perda ainda maior da autonomia das agências. “Espero que ele continue engavetado por muito mais tempo.”
O professor de Políticas Públicas da UnB e da Universidade Católica de Brasília (UCB), Vicente Faleiros, considera grave o fato de o marco regulatório das agências ainda não ter sido votado na Câmara. Não houve consenso entre as empresas e os consumidores na fase de audiências públicas. Na disputa entre políticos, o professor observa que o loteamento nas agências começou com Fernando Henrique Cardoso, que indicou David Zylbersztajn, seu genro na época, para dirigir a ANP. “As agências reguladoras não podem passar para o lado das empresas concessionárias, abandonando a população à mercê da ganância pelo lucro das concessionárias de serviços públicos”, diz Faleiros.
Fonte: Correio Braziliense