Palestra do professor da Universidade de São Paulo (USP), Arnaldo Mazzei, apontou a necessidade de o movimento sindical encontrar uma nova forma de encaminhar conflitos no serviço público, mas sem cair na armadilha do “paradigma negocial”. No sindicalismo da iniciativa privada, afirmou, esse sistema já foi completamente descartado, enquanto não ocorre a reforma sindical.
O paradigma negocial desmonta a legislação que protege a categoria em questão, tanto nos direitos individuais quanto nos coletivos, e joga tudo para a negociação. Entram na mesa de discussão questões como férias, 13º salário, cláusulas pétreas e garantias constitucionais. “Será que interessa esse paradigma negocial ao setor público?”, questionou Mazzei. “É prudente evitar que, em nome de algo dito mais ‘modernoso’, se implante no estado esta modalidade mercantil de resolução de questões do trabalho e do capital”.
Para ele, a capacidade de organização e mobilização dos servidores públicos é que deve ser o fundamento do seu poder negocial. “Ou seja, é preciso tomar cuidado para não buscar um ‘paradigma negocial’ sem efetiva força de mobilização e enraizamento nas bases”, alertou o professor Arnaldo Mazzei. “Seja na iniciativa privada ou na estatal, patrão nenhum respeita a representação sindical se ela não tiver a categoria mobilizada, unida e disposta a lutar”, completou.
O palestrante afirmou que o “paradigma negocial” só seria viável quando restrito ao “plus”, para negociar o “algo mais”, sem colocar em pauta direitos fundamentais, garantidos por lei, como jornada de trabalho, férias, atribuições e competências. “Colocar tudo ‘à discussão’ é uma armadilha na qual quem perde é sempre o lado do trabalhador”.
O paradigma negocial revela-se, segundo Mazzei, fragmentado, individualista e exclusivista. Impede a discussão de forma ampla e não é inclusivo, ou seja, se a categoria não tiver estrutura para se organizar, sairá perdendo. Além disso, afirmou, é empecilho à integração de todo o serviço público.
Mais integração
O estudioso enfatizou a importância de se incluir as lutas dos servidores públicos no mundo do trabalho privado. A maioria das mobilizações das categorias estatais vai diretamente ao encontro dos interesses dos trabalhadores, e isso precisa ser levado a público. Se o sindicalismo não trilhar uma luta mais abrangente, alertou, não vai sair dos limites do próprio umbigo.
O professor defendeu que os sindicatos de servidores envolvam-se mais com a sociedade, principalmente no que diz respeito a lutas de interesse público. Na leitura de Mazzei, essa seria uma forma para se fazer frente ao pesado jogo que o estado faz para denegrir a imagem do serviço público, usando-o, muitas vezes, como bode expiatório para as mazelas sociais da atualidade. “A sociedade precisa compreender nossas lutas. Parece-me que a importância de pontos como remuneração e estabilidade ainda não está bem clara para todos.”
História
Na visão de Mazzei, entre os anos 80 e 90, havia tendência de unidade entre servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada, com maior desenvolvimento da consciência de classe. O momento era muito bom, pois quanto mais se ampliasse a luta para o mundo do trabalho, maior seria o avanço para todos. “Isso precisava ser destruído, e foi atacado fortemente pelos governos neoliberais da década de 90.” Hoje, entretanto, uma maré conservadora toma conta do movimento sindical, embora o momento seja favorável para lutas mais progressistas, afirmou Mazzei. “Precisamos avaliar se não estamos jogando na fragmentação imposta nas eras de Fernando Collor e de Henrique Cardoso”, orientou.
Resolução de Conflitos
Arnaldo Mazzei reforçou a necessidade de se buscar caminhos efetivos para a resolução de conflitos no serviço público. Apontou dificuldades das lutas, exemplificando com greves recentes do funcionalismo federal: 32 dias da Polícia Federal, 64 no Ibama, 71 no Ministério da Cultura, 78 no Incra, 85 no Ministério da Ciência e Tecnologia, 98 nas universidades federais. A falta deste mecanismo, disse ele, faz com que o serviço público seja responsável por 65% das greves no Brasil de 2004 para cá, segundo o Dieese.
Construção do Estado
O sindicalismo no serviço público, para o estudioso, por estar enfronhado na superestrutura administrativa, jurídica e política, deve avançar na construção do modelo de estado que se pretende ter. O problema, porém, é que pode advir daí um conflito. “Será que não iremos contra um sistema de estado que o mercado quer”, indaga. Aproximando-se da linha deste confronto, a situação poderia começar a se inverter, afirmou Mazzei, pois alguns servidores poderiam preferir evitar o choque. “Neste caso, retoma-se um antigo dilema: queremos sindicatos autênticos e combativos ou o retorno das velhas associações?”. No entendimento do estudioso, o movimento sindical de servidores ainda não definiu se prefere uma linha mais autêntica ou mais conservadora, e por isso tende a ficar oscilando entre estes dois perfis.
Para ele, é preciso construir uma pauta sindical focada na elevação da auto-estima do serviço público, que é alvo de constantes ataques, e alicerçada na independência em relação ao estado, aos governos e à lógica mercantil que avança nos espaços públicos.
Para debate
Por fim, Analdo Mazzei pontuou alguns tópicos importantes a serem debatidos. Entre eles estão a institucionalização das centrais sindicais, o fim da demissão injustificada com a regulamentação da Convenção 158 da OIT, o veto à Emenda 3, a redução da jornada de trabalho, a regulação da negociação coletiva no setor público com a convenção 151 da OIT e o futuro da Previdência Social, se a Reforma da Previdência for aprovada no molde privado.
Fonte: Texto publicado no 3º Painel na Edição 1, de Agosto de 2008 da revista “Reflexões” dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil