Regulamentação da Convenção 151 da OIT: a expectativa para o dia do servidor

Por Antônio Augusto de Queiroz

Envio do projeto ao Congresso no dia do servidor seria um marco
civilizatório nas relações de trabalho.

A proximidade do dia do servidor público (28/10) carrega, este ano, a expectativa de um anúncio que pode redefinir as relações de trabalho no Estado brasileiro. A regulamentação da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2010 – mas ainda aguardando uma lei nacional para vigorar plenamente – é vista pelo funcionalismo e suas entidades como a coroação de uma luta histórica. Para o presidente Lula, que lançou as bases do diálogo com a instalação da Mesa Nacional de Negociação e a criação de uma Secretaria de Relações do Trabalho no Serviço Público, este ato representaria não apenas um cumprimento de promessa, mas a transformação de uma prática eventual em uma política de Estado permanente.

O possível envio ao Congresso Nacional de um projeto de lei para regulamentar a Convenção 151 no dia do servidor seria um símbolo potente de reconhecimento. Os servidores e suas entidades representativas depositam nesta regulamentação três expectativas fundamentais, que são os pilares para um novo paradigma na administração pública.

A primeira e mais relevante expectativa é a institucionalização da negociação coletiva, tornando-a independente do governo de plantão. Atualmente, a existência do diálogo depende da vontade política momentânea. Governos com visão fiscalista ou neoliberal historicamente fecham as portas da negociação, tratando o servidor como mero custo a ser contido, como ocorreu nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. A regulamentação transformaria a mesa de negociação em uma instância permanente, um espaço legítimo e obrigatório de debate, prevenindo conflitos e afastando a instabilidade e a insegurança jurídica que caracterizam a relação atual. Seria a transição de uma
concessão ocasional para um direito inalienável, assegurando que o diálogo, e não autoritarismo, seja a regra.

A segunda expectativa central é a liberação de dirigentes sindicais com ônus para o ente estatal, restabelecendo o que vigorou até 1996, quando a Medida Provisória nº 1.522, de 11 de outubro, limitou a licença em razão do número de filiados da entidade, e passou a prever que seria com perda da remuneração. Este ponto é vital para o fortalecimento da representação. Sem a garantia de que seus líderes poderão se dedicar às atividades sindicais sem prejuízo financeiro ou funcional, as entidades ficam enfraquecidas. A medida asseguraria que os servidores eleitos para representar suas categorias tenham a necessária liberdade e autonomia para desempenhar seu papel, fortalecendo a qualidade
e a legitimidade do debate do outro lado da mesa. É um investimento na robustez do próprio diálogo social.

Por fim, a terceira expectativa é a instituição de uma contribuição negocial em favor da entidade sindical. Esse mecanismo, cobrado durante os processos de negociação, forneceria às entidades representativas a independência financeira necessária para atuar de forma técnica e sustentável. Recursos próprios permitiriam a capacitação de quadros, a produção de estudos e a estruturação de propostas mais consistentes, elevando o nível do debate e contribuindo para soluções mais eficazes e embasadas. É a contrapartida prática para um sindicalismo forte e responsável.

O possível anúncio deste projeto de lei por Lula no dia do servidor seria, portanto, muito mais que um presente simbólico. Seria a materialização de um compromisso histórico com a democracia interna do Estado. A regulamentação criaria um Sistema Nacional de Negociação, transformando as experiências positivas dos governos do PT – que resultaram em reajustes, restauração de direitos e redução de conflitos – em uma política de Estado perene.

A abrangência deste novo sistema vai muito além dos salários. A mesa de negociação permanente se tornaria o fórum adequado para discutir temas complexos e modernos como planos de carreira, teletrabalho, jornada, capacitação profissional e saúde do servidor. Trata-se de interiorizar os princípios democráticos na gestão pública, substituindo a improvisação e o autoritarismo por planejamento, transparência e respeito ao conhecimento dos próprios servidores.

A negociação coletiva, como se sabe, é um pilar fundamental para a democracia e para a valorização do serviço público. Ela compõe o chamado “tripé da atuação sindical”, que se sustenta na organização dos trabalhadores, no direito de greve e, de forma central, na
negociação. É por meio do diálogo que se constroem soluções duradouras e respeitosas

A partir do envio do projeto ao Congresso, caso se concretize, iniciar-se-á uma batalha política fundamental para sua aprovação. Caberá aos servidores e suas entidades empreender uma luta diária pela transformação da matéria em norma jurídica. A vigência de uma lei nacional sobre a organização sindical e a negociação coletiva no serviço público, mesmo que exigindo adaptações nos entes subnacionais, representará uma revolução para o sindicalismo público e um avanço civilizatório para o país. Valorizar o servidor por meio do diálogo institucionalizado não é apenas fazer justiça às categorias da administração pública; é investir na qualidade, na eficiência e na própria democracia do serviço público, que, no fim, beneficia toda a sociedade.

Jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. É sócio-diretor da empresa “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais”, foi diretor de Documentação do Diap e é membro da Câmara Técnica de Transformação do Estado, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e do Conselho de Desenvolvimento conômico e Social Sustentável da Presidência da República – o Conselhão