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Servidores Sobreviventes das PAF´s acertam. ANVISA e Governos falham.

Servidores Sobreviventes das PAF´s acertam. ANVISA e Governos falham.

Ação da PAF de Guarulhos interrompe partida de futebol entre Brasil e Argentina por infrações a regulamentos sanitários, gerando repercussão internacional. Os servidores da ANVISA desenvolvem ações de fiscalização sanitária e regulamentação, com poder de polícia, caracterizando a essência de atividades reconhecidas como exclusivas de Estado.

Enquanto o caso ilustra a importância do controle do risco sanitário, que visa proteger diretamente a população, a ANVISA produziu dívida estrutural, em prejuízo a sua missão institucional, na promoção e proteção da saúde da população, por intermédio da desvalorização histórica das coordenações de portos, aeroportos e fronteiras diante da priorização de outras áreas de fiscalização e regulação existentes também na ANVISA e que, ao longo do tempo, não sofreram da desidratação crônica observada nas PAFs. Decisões de gestão da própria ANVISA poderiam ter minimizado esta situação. Temos defasagem de 80% nas PAFs contra 20% no total da ANVISA, aproximadamente.

Desde sua criação, em 1999, as PAF´s sofrem com perda constante de pessoal capacitado, estrutura e equipamentos para execução de suas atividades, enquanto outras áreas técnicas da ANVISA não apenas mantiveram, como até mesmo amplificaram sua capacidade operacional desde 1999.

Quadro 1. Vinte anos de Relatórios de gestão da ANVISA e seus pontos críticos e recomendações quanto as PAF´s (2000-2020). Textos e dados retirados dos relatórios.

Fonte: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/gestao/relatorios-de-gestao

Ano Pontos críticos dos Portos, Aeroportos e Fronteiras (GGPAF)
2000 Deficiência de recursos humanos e materiais na execução de ações de vigilância sanitária nos estados e municípios. Falta de integração entre as unidades gerenciais da ANVISA, com inserção nas ações de inspeção.
2001 Insuficiência de recursos humanos capacitados e de recursos materiais nos serviços de vigilância sanitária dos estados e municípios;
2002 Insuficiência no nº de recursos humanos disponibilizados, em especial nas áreas de fronteiras e estações aduaneiras de interior.
2003 Servidores executores da ação fiscal com formação profissional inadequada e com capacitação institucional insuficiente; – Nº insuficiente de servidores executores da ação fiscal; – Distribuição inadequada de servidores executores, por posto de vigilância sanitária, para a demanda fiscal instalada ou prevista.
2004 Total de 1.014 Servidores do Quadro Específico. Inexistência de sistema informatizado que armazene informações técnicas e administrativas vinculadas às importações de mercadorias sob Vigilância Sanitária, fato que não viabiliza o conhecimento institucional desse exercício fiscal, a elaboração de planejamento de controles sanitários para as classes ou categorias de produtos e o conhecimento do dimensionamento de Recursos Humanos e Equipamentos realmente necessários; Insuficiência de Recursos Humanos;
2005 Total de 1.503 Servidores do Ativo Permanente (Quadro Específico + Quadro Efetivo) Primeiro concurso público para formação do quadro efetivo – Lei 10871/2004. Total de 2.966 funcionários, entre contratados temporários, quadro efetivo e quadro específico (redistribuídos de outros órgãos – localizados principalmente nas PAF´s.
2006 Total de 1.889 Servidores do Ativo Permanente (Quadro Específico + Quadro Efetivo Em 2006 esta ação (fiscalização PAF´s) teve sua meta pactuada superada, com 140,32% de cumprimento, tendo realizado mais de 1,15 milhões de fiscalizações sanitárias em portos, aeroportos, postos de fronteiras e recintos alfandegados.
2007 Total de 2.219 Servidores do Ativo Permanente (Quadro Específico + Quadro Efetivo) – Apesar de terem sido realizadas supervisões nos estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Pernambuco e Santa Catarina, constatou-se que a padronização ainda não está totalmente implementada e que as ações realizadas apresentam lacunas que podem repercutir na qualidade das atividades direcionadas aos viajantes. O aperfeiçoamento deste processo é primordial para a prevenção/minimização de eventos que representem riscos à saúde pública.
2008 Haviam 27 Coordenações de Vigilância Sanitária em Portos, Aeroportos, Fronteiras e Recintos Alfandegados – CVSPAF – na estrutura da ANVISA. Como ponto crítico, destaca-se a redução das atividades de supervisão/padronização, em razão da grande demanda gerencial e técnica, e o reduzido número de técnicos da GPAAC.
2009 27 CVSPAF na Anvisa. Apesar da existência de Meta na “Prevenção, Preparação e Enfrentamento para a Pandemia de Influenza”, não houve resultado algum obtido, justificada pela ANVISA por “Ação sem meta física estabelecida.”. O Roteiro de Padrões de Conformidade (RPC), do MS, dos Serviços de Saúde falhou pois “A intensa rotatividade de técnicos das Vigilâncias Sanitárias estaduais e municipais também dificulta a reaplicação do RPC, visto que a maior parte do atual quadro de pessoal não foi capacitada para a aplicação do Roteiro. Gastos 14,7 milhões de reais com as CVSPAF´s em 2009. Tal falha persistiu nos anos seguintes, sem melhora.
2010 27 CVSPAF na ANVISA. Atividade de Prevenção, Preparação e Enfrentamento para a Pandemia de Influenza citada, mas não avaliada, sem meta física estabelecida.
2011 Ação de “Prevenção, Preparação e Enfrentamento para a Pandemia de Influenza, H1N1 etc” retirada do Relatório. Na ação Vigilância Sanitária em Portos, Aeroportos, Fronteiras e Recintos Alfandegados, a meta não foi alcançada em virtude da nova metodologia utilizada nos processos de controle sanitário e gestão apoiada em indicadores. Desde 2010, com a implantação do sistema Sagarana para gestão de risco sanitário em portos, aeroportos e fronteiras, vêm sendo utilizados novos roteiros de inspeção com periodicidades distintas, o que diminui o quantitativo de inspeções e otimiza as ações de controle sanitário. Apenas 67,1% da meta de fiscalizações foi alcançada.
2012 Quantos às limitações internas que obstaculizaram a atuação da Anvisa no exercício de 2012, uma das mais relevantes foi a insuficiência de corpo técnico especializado em todas as áreas técnicas que desenvolvem análise dos processos de registro, realizam diversas inspeções e fiscalizações ou atuam nas áreas de Portos Aeroportos e Fronteiras.
2013 Realização de Concurso Público, com prioridade total para recomposição da força de trabalho na sede em Brasília. Foco programático para Copa do Mundo 2014. Auditoria constatou problemas administrativos, de gestão de pessoas e baixa produtividade nas PAF´s. Implantação de índice genérico na avaliação de metas.
2014 Prioridade COPA 2014. Total de 2.125 Servidores do Ativo Permanente após ingresso de 315 novos servidores para o quadro efetivo. Segundo o relatórioA Anvisa dispõe de dois quadros de pessoal. O Quadro Efetivo criado pela 10.871/2004 é composto por servidores que ingressaram no serviço público a partir de 2005. O Quadro Específico criado pela Lei 10.882/2004, por sua vez, é composto por servidores oriundos da extinta Secretaria de Vigilância Sanitária que se encontram quase em sua totalidade em condições de aposentadoria integral. Hoje as Coordenações de Vigilância Sanitária de Portos, Aeroportos, Fronteiras e Recintos Alfandegados localizadas nas unidades federadas são integradas, maciçamente, por servidores do Quadro Específico que representam quase a metade da atual força de trabalho desta Agência. À medida que são concedidas as aposentadorias aos servidores do Quadro Específico, os cargos são extintos por força de lei, fato este que contribui significativamente para a redução do quadro de servidores, uma vez que não há a criação de novas vagas de forma proporcional. A Anvisa, sistematicamente, tem reportado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão a situação acima relatada.
2015 Total 2.056 servidores. Renovação nos cargos do quadro efetivo (Sede) apenas. O relatório repete o alerta dado em 2015 sobre a redução da força de trabalho nos PAF´s.
2016 Concurso Público para 78 vagas de Técnico Administrativo. O relatório final aponta uma necessidade de 2.612 servidores para o devido exercício das atividades de competência da Agência. Frente ao quadro atual servidores, o déficit encontrado é de mais de 600 colaboradores. A maior deficiência está nas áreas finalísticas. Este trabalho apontou, por exemplo, que a Diretoria de Autorização e Registro Sanitários e a Diretoria de Controle e Monitoramento Sanitários têm juntas um déficit de 471 servidores (quase 70% do total). Destaca-se que cerca de 40% do corpo funcional da Anvisa é formado por servidores do Quadro Específico. Nesse ponto, cumpre ser ressaltado que, tendo em vista o teor do § 2° do artigo 19 da Lei n° 9.986/2000, o Quadro Específico possui caráter temporário, extinguindo-se as vagas dos servidores neles alocadas, à medida que ocorrerem vacâncias.
2017 Repetição do texto acima.” Para o biênio 2016/2017, registra-se o total de 106 servidores com requisitos para aposentadoria. Este total representa levantamento realizado em março de 2016, sujeito a posterior alteração, considerando, dentre outros fatores, que à época do levantamento, parte dos servidores com tempo de serviço anterior ao Regime Jurídico Único não havia solicitado averbação deste tempo. Neste sentido, é importante destacar que no período mencionado (2016/2017), houve a publicação de 162 aposentadorias (resultado que supera em mais de cinquenta por cento a previsão inicial), reforçando a preocupação quanto à diminuição da força de trabalho da agência.
2018 Em 2016 haviam 757 servidores do quadro específico (PAF´s) Em 2018, restavam 553. Em apenas 2 anos, as PAF´s perderam 27% de pessoal, sem reposição. “Atualmente, cerca de 494 servidores já poderiam se aposentar. Em 2019 mais 46 e em 2020, 54. Assim, até 2020 a Agência pode ter uma baixa de 594 servidores do Quadro Específico. Considerando o total de 748 servidores desse quadro, isso representa uma redução de mais de 79% da força de trabalho, em especial nas PAF. Em relação ao efetivo de toda a Agência o impacto de redução é de cerca de 30% considerando um total de 2 mil servidores! Ainda assim, a saída de uma quantidade tão grande de servidores sem reposição, pode comprometer o cumprimento da missão institucional, uma vez que do Quadro Específico, cada aposentadoria corresponde a uma vaga extinta.”
2019 Fechamento de 14 PAFs. Quadro específico (PAF´s) – 634 servidores em 2017. 425 servidores em 2019. “Atualmente, cerca de 350 servidores já podem se aposentar, sendo a maior parte desses servidores do quadro específico. Considerando o total de 490 servidores desse quadro, isso representa uma redução de mais de 70% da força de trabalho, em especial nas PAFs. Em relação ao efetivo de toda a Agência, o impacto de redução é de cerca de 30% considerando o total de servidores. Ainda assim, a saída de uma quantidade tão grande de servidores sem reposição, pode comprometer o cumprimento da missão institucional, uma vez que, do Quadro Específico, cada aposentadoria corresponde a uma vaga extinta.”
2020 Estado de emergência sanitária – COVID 19. Em 2020 foram concedidas 41 aposentadorias. Dos 553 servidores do quadro específico em 2018, restam apenas 379. Cerca de 245 servidores já poderiam se aposentar, sendo a maior parte destes do Quadro Específico. Considerando o total de 379 servidores desse quadro, isso representa uma redução de mais de 65% da força de trabalho, em especial nas PAF. Em relação ao efetivo de toda a Agência, o impacto de redução é de cerca de 22%. Destaca-se que a saída de uma quantidade tão grande de servidores, sem reposição, pode comprometer o cumprimento da missão institucional e os resultados da Agência. As PAF´s da ANVISA só funcionam com mobilização temporária de forças tarefas, em função do estado de emergência sanitária.
2021 SITUAÇÃO EMERGENCIAL NA ANVISA

Os Relatórios citados acima demonstram que seria possível substituir gradativamente os cargos extintos nas PAFs através da lotação gradual, embora insuficiente, de novos servidores nas PAF´s oriundos dos concursos realizados. Assim, todas as áreas da ANVISA sentiriam também um pouco do impacto, preservando as atividades essenciais de todas areas.

As PAF´s da ANVISA hoje vivem também em situação emergencial, resultado de décadas de ausência de gestão e investimentos. Não fossem os gestores atual e anterior em suas missões frente a quinta diretoria da ANVISA, ao mapearem os problemas estruturais e de pessoal, elaborando planos de contingência para redução de danos, a atividade de vigilância sanitária federal nas PAFs já teria acabado. Uma Anvisa em emergência estrutural sendo pressionada ao máximo em uma emergência sanitária mundial. Cenário de guerra, onde se promoveu inúmeros generais, esquecendo-se dos soldados no front de batalha.

Concursos públicos realizados em 2005, 2013 e 2016 não destinaram pessoal novo para as PAF´s em quantidades minimamente necessárias. A fiscalização sanitária, que dá o nome a ANVISA, foi estruturalmente comprometida, sem condições de proteger a população.

Se por um lado sucessivos governos não garantiram a reposição suficiente de servidores, por outro lado a ANVISA, com arranjo institucional centrado em cinco diferentes diretorias, com atribuições específicas e preocupações próprias, não soube dividir o cobertor curto de forma equânime entre todas as áreas, selando assim a lenta e prolongada extinção da fiscalização em Portos, aeroportos e fronteiras, antes distribuídos em todo território nacional.

A ação fiscalizatória da ANVISA, com direito à requisição de força policial por embaraço à fiscalização durante o jogo BRASIL x ARGENTINA, não foi só uma ação de descumprimento à regulamentos sanitários em plena pandemia, nem tampouco o exercício do poder de polícia inerente a regulação. Foi um grito de desespero, de alerta.

A ANVISA, assim como em outras agências, necessita urgentemente rever seu arranjo institucional para um modelo mais adequado a sua estrutura colegiada, permeada por macroprocessos transversais de trabalho e sorteio de temas entre seus diretores. Todos deveriam participar de um mesmo projeto, alcançar um mesmo resultado. A atividade fiscalizatória de produtos, ambientes, equipamentos ou de pessoas tem como objetivo a diminuição do risco sanitário. Não podem se dissociar da atividade de elaboração normativa, pois sem ela os cenários vislumbrados nas normas não se materializam.

A origem dos servidores não deveria ser o motivo para a segregação da atividade fiscalizatória na ANVISA, em duas diretorias distintas.

Parabéns aos servidores da ANVISA, em especial aos servidores das PAFs, no cumprimento de seu dever funcional, apesar das adversidades. Não importa as circunstâncias; não importa o cargo; não importa a origem. Somos servidores públicos de Agências Reguladoras Federais e estamos aqui para servir. A sociedade já enxergou isso. E este reconhecimento é agora nacional, a partir de 5 de setembro de 2021.

Cleber Ferreira

Especialista em Regulação

Presidente do Sinagências