fbpx

Ministro do STJ defende mudanças no Judiciário

Em 2003, quando o governo federal começava a debater a reforma do Judiciário, o então desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), Luis Felipe Salomão, hoje ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi chamado a debater a proposta como membro da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Hoje, quase dez anos depois, e com todos os esforços despendidos na época, Salomão avalia que o Judiciário continua a trabalhar muito, mas mal. Para ele, é necessário encontrar novas soluções, para evitar-se um colapso. Em entrevista ao Valor , o magistrado apresenta algumas propostas que poderiam contribuir para amenizar o problema.

Valor: As medidas trazidas pela reforma do Judiciário não resolveram o excesso de processos?

Luis Felipe Salomão: Um dos motivos para a edição da emenda foi a chamada crise do Supremo, que estava batendo o pico de mais de 100 mil recursos distribuídos em um ano, o que é um absurdo. Em 1940, havia recebido 2.211 recursos. Em 1987, um ano antes da instalação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), já se falava de crise do recurso extraordinário (RE). A repercussão geral realmente reduziu o número de recursos. Mas os ministros não estão conseguindo julgar os casos. Afunilou, atravancou.

Valor: O que é preciso fazer?

Salomão: É preciso otimizar o julgamento dessas repercussões já declaradas. Talvez o ideal fosse que todas questões infraconstitucionais parassem no STJ mesmo. Hoje, toda questão tributária vai para o Supremo. Penal também. Só não vai o direito privado. Isso faz um degrau a mais. Mas posso dizer que demos um passo à frente com a Emenda Constitucional nº 45.

Valor: O que mais é necessário para melhorar o Judiciário?

Salomão: Um dos caminhos é qualificar o juiz no seu ingresso. Treinar constantemente magistrados e servidores. Qualificar nosso material humano é vital para ter um bom serviço público. E ter uma política uniforme para os procedimentos judiciais para que não se fique remando para lados diferentes.

Valor: Como encontrar um prazo de duração razoável para o processo?

Salomão: Pela reforma do Código de Processo Civil (CPC) e por soluções extrajudiciais de conflitos. Não é uma única solução. Outro passo importante e polêmico seria estabelecer produtividade para os juízes. É um assunto tabu entre os juízes. É importante ter produtividade. Também seria importante agir para evitar demandas em escala, repetidas. É preciso cuidar delas antes da propositura e, nesse ponto, entram as agências reguladoras, que não estão funcionando. Não é só facilitar o acesso à Justiça. É preciso fazer com que as agências funcionem.

Valor: Se não existisse o recurso repetitivo, provavelmente as demandas seriam muito maiores e poderíamos falar de um colapso do STJ como se falava do STF?

Salomão: No anos seguintes a sua implantação, não baixou, mas está estável. Precisa ser otimizado, como a repercussão geral. É preciso trabalhar melhor essa ferramenta. Mas apesar de todo esforço que foi feito pela emenda e de todas mudanças que se têm tentado fazer, temos a maior taxa de congestionamento do mundo, de 71%, e, pasmem, a terceira produtividade do mundo. Ou seja, estamos trabalhando muito e trabalhando mal. Se não entrarmos com novas soluções, o colapso vem. Não tem como ele não vir.

Valor: Como o CNJ deve agir para melhorar o Judiciário

Salomão: O que faltava e ainda falta é um órgão que elabore uma política unitária para o Judiciário. Num país continental como o nosso, com várias unidades do país com tribunais autônomos, cada um tem seu procedimento e forma de agir. É preciso cobrar produtividade dos juízes e funcionamento do tribunal. O CNJ daria essa uniformidade que o país precisa.

Valor: Por que isso não ocorreu ainda?

Salomão: É um órgão novo na busca de sua verdadeira identidade e é natural que assim seja em uma democracia. Houve no seu início, como em todas as instituições democráticas, um excesso onde se buscava punir juízes, fazer justiça. Houve um enxame de representações achando que o CNJ ia acabar com a morosidade com uma varinha de condão. Eu acho que o CNJ quis abraçar o mundo do Judiciário com as mãos e é impossível.

Valor: Como o CNJ alcançaria esse papel?

Salomão: Acho que esse é um movimento pendular. Como em qualquer instituição nova, no regime democrático, ela vai num excesso para depois encontrar o meio termo. Esse pêndulo está chegando com as várias e seguidas composições. Eu tenho certeza que agora se vive em uma nova era, onde o ministro Ricardo Lewandowski, segundo anunciou em sua posse, vai tentar chegar o mais perto possível desse meio termo, fazer com que o CNJ seja um órgão de inteligência do Judiciário, para que se trabalhe com macropolíticas para a uniformidade dos procedimentos dentro do Judiciário.

Valor: Essa vocação seria uma das necessidades para se combater a morosidade?

Salomão: Sem dúvida. O eixo da emenda está no CNJ. Mas também está na Enfam [Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados], que para mim é a joia da coroa porque mexe com a formação dos juízes, que é um dos pontos de deficiência hoje no Judiciário. Foi criada também a Enamat [Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho), que é a do Tribunal Superior do Trabalho (TST). São importantes porque os concursos não estão selecionando o juiz adequado para a sociedade brasileira contemporânea, pois são um meio pelo qual se faz um provão, com muita decoreba.

Valor: Como é a preparação dos juízes por essas escolas?

Salomão: Além de fazer essa correção de rumo na forma de seleção, a Enfam tem um papel fundamental para dar uma formação humanística para esse candidato, já que ele não recebe isso na universidade, nem no ensino fundamental e secundário. Noções de psicologia, de liderança, macro e micro economia, noções gerais de todos os ramos que possa formatar um juiz afinado com as exigências do mundo moderno. Hoje um dos critérios de promoção dos juízes é fazer cursos nessas escolas para que ele não se acomode depois que vira juiz.

Fonte: Valor Econômico