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O uso de evidências, a governança de dados e o futuro da regulação

*THELMA MARIA MELO PINHEIRO 

Ferramentas oferecem novas oportunidades para reguladores com recursos limitados fortalecerem sua capacidade regulatória

Muito se fala na regulação de serviços públicos baseada em evidências, ou para os mais descolados, data driven regulation. Mas será que os reguladores compreendem o que significa esse conceito e qual é a sua importância?

A regulação é uma das principais formas de intervenção do Estado na economia e na sociedade e as decisões regulatórias podem ter impactos significativos nos usuários dos serviços públicos, nas empresas reguladas e na sociedade em geral. De maneira ampla, a regulação baseada em evidências é uma abordagem que utiliza dados, informações e conhecimentos científicos para orientar o processo de tomada de decisão. E por que isso é importante?

Evidências permitem que as decisões regulatórias sejam baseadas em informações objetivas e confiáveis, reduzindo a possibilidade de erros e aumentando a eficácia do processo regulatório. Talvez este seja o aspecto mais básico do uso de evidências na regulação: garantir que as decisões regulatórias sejam tomadas de forma mais fundamentada e não em opiniões ou conjecturas.

23Não por acaso, o Decreto 10.411/2020 estabeleceu que devem ser implementadas estratégias específicas e eficientes de coleta e de tratamento de dados. Para que o uso de evidências possa atingir patamares ainda mais estratégicos para as instituições, é necessário que a governança de dados seja adotada pelas agências reguladoras.

Adaptando um conceito do Gartner[1], a governança de dados no contexto da regulação dos serviços públicos se refere ao conjunto de práticas, políticas e processos utilizados para gerenciar os dados e informações que são coletados e usados pelos órgãos reguladores para monitorar e avaliar o desempenho dos serviços públicos.

Essa governança pode envolver a definição de padrões de qualidade de dados, a garantia da segurança e privacidade das informações pessoais ou de negócio, o estabelecimento de processos para coleta, armazenamento e uso dos dados, inclusive dos agentes regulados, a identificação de responsabilidades internas e externas e papéis no gerenciamento dos dados e a criação de mecanismos de prestação de contas e transparência na gestão dos dados. A governança de dados é, portanto, fundamental para uma regulação eficaz dos serviços públicos, garantindo a qualidade, a transparência e a proteção da privacidade e da segurança das informações.

Dois aspectos estratégicos da governança de dados implementada dependem essencialmente de evidências para a sua consecução: a redução de custos regulatórios e a regulação das tecnologias emergentes.

De acordo com a OCDE[2], a maior disponibilidade de dados sobre questões que antes eram imperfeitamente observáveis, ou apenas observáveis a um custo administrativo elevado, oferece oportunidades para melhorar o monitoramento e a supervisão e uma aplicação mais eficaz das intervenções regulatórias.

O uso de evidências pode permitir a identificação antecipada de problemas e a adoção de medidas preventivas para evitá-los, o que pode reduzir custos associados à correção deles e à indenização de danos. No que diz respeito ao incentivo à concorrência, o uso de evidências pode ajudar a identificar quais são os setores e empresas mais eficientes, incentivando a competição entre elas.

A competição entre empresas pode levar à redução de custos e à melhoria da qualidade dos serviços, o que pode refletir em redução de custos para seus usuários. Informações mais precisas também podem ajudar a identificar quais são os investimentos mais adequados e alocar recursos de forma mais eficiente, evitando desperdícios e reduzindo os custos da regulação.

Na regulação das tecnologias emergentes, é igualmente importante a utilização das evidências, pois essas tecnologias são frequentemente complexas e apresentam desafios regulatórios significativos. Ao utilizar evidências, os reguladores podem tomar decisões mais informadas e fundamentadas, avaliar os riscos e benefícios dessas tecnologias e promover uma regulamentação mais precisa. Isso deve ser feito, por exemplo, na regulação da inteligência artificial e biotecnologia, tecnologias que têm um impacto significativo em várias áreas da sociedade, como saúde, educação, segurança e privacidade.

Ao utilizar evidências científicas e técnicas para avaliar o impacto dessas tecnologias, os reguladores podem garantir que as regulamentações sejam atualizadas e adequadas para proteger os interesses públicos e maximizar os benefícios sociais. Além disso, o uso de evidências pode ajudar a antecipar possíveis riscos e a desenvolver abordagens proativas para a regulação dessas tecnologias.

Usar ferramentas e tecnologias de análise de dados oferece novas oportunidades para reguladores com recursos limitados para fortalecer sua capacidade regulatória. Os reguladores podem analisar grandes quantidades de dados de forma mais eficiente, utilizando técnicas como mineração de dados, inteligência artificial e aprendizado de máquina, para identificar tendências e padrões e avaliar riscos e oportunidades. Assim será possível desenvolver regulamentações mais ágeis, dinâmicas e eficientes que acompanhem as mudanças transformadoras geradas pelas tecnologias emergentes.

A governança de dados é elemento chave para o futuro da regulação dos serviços públicos, visto que a utilização de evidências baseada em informação e dados é um caminho sem volta que deve ser cada vez mais valorizado e aprimorado pelos reguladores.

 

*THELMA MARIA MELO PINHEIRO – Mestre em Engenharia Elétrica pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em regulação de serviços públicos na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Hoje atua como superintendente-adjunta da Superintendência de Gestão Técnica da Informação (SGI)

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[1] Gartner Fast Answer: What should I know about Data and Analytics Governance? link: https://www.gartner.com/fast-answer/tech/63da4380-8024-360a-b482-48dc42b7024f?ref=panel-in-disguise&refval=365665032#Sources

[2] OECD. Shaping the Future of Regulators. Novembro de 2020, 104 páginas, inglês. link: https://doi.org/10.1787/db481aa3-en

 

Fonte: Jota.Info