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O Brasil foi pouco afetado pela crise mundial de 2008, em comparação com as economias internacionais, que sofreram e ainda sofrem os efeitos daquele período. Isso em virtude dos sólidos fundamentos econômicos então existentes, relativos à estabilidade política e às regras que faziam do país um dos principais destinos de investimentos estrangeiros.

O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2008/2017 previa cerca de 5% de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para os próximos dez anos, o que demandaria grande evolução da infraestrutura. Tal previsão não se confirmou. O PIB de 0,9% em 2012, atribuído principalmente à baixa atividade do setor industrial, demonstra o aumento da percepção de risco do investidor e a perda de atratividade de investimentos, com a consequente fuga de capital, causada por medidas governamentais que sugeririam certa aversão ao setor privado e pouco diálogo com ele. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o setor elétrico, na edição das Medidas Provisórias 577 e 579, de 2012, que tratam da intervenção federal nas concessionárias e das novas regras para renovação das concessões e diminuição das tarifas.

A pressa com que foi editada e implementada a Medida Provisória 579 deixou rescaldos. Um deles é a exposição ao mercado livre das distribuidoras de energia, obrigando o governo federal a, mais uma vez, socorrê-las, em vista das dificuldades de fluxo de caixa para adquirir e pagar essa energia de curto prazo, para somente por ela receber futuramente, em seus reajustes tarifários. Outro transtorno é a falta de definição de como e quando serão indenizados os ativos das transmissoras de energia anteriores a maio de 2000 e dos investimentos feitos em melhorias, que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não reconhecia na receita, não concordava em indenizar, mas, corretamente, retrocedeu e aceitou indenizar, editando a MP 591/12, que também corrigiu alguns valores de indenização de geradoras de energia.

O governo federal, ainda que timidamente, acena para os investidores, tentando reaproximá-los

Como rescaldo, ainda, está a dúvida em relação à existência do mercado livre nos próximos anos, em vista da falta de isonomia no tratamento entre mercados livre e cativo, com a destinação somente ao mercado cativo das quotas de energia mais barata das usinas amortizadas. Atribuiu-se isonomicamente ao mercado livre e cativo os benefícios da redução dos encargos de transmissão, da extinção da CCC, da RGR e de 75% da CDE. Não faz sentido não ser isonômico em relação à energia das usinas amortizadas, destinando-a, em quotas, somente ao mercado cativo. Os consumidores livres deixaram o mercado cativo há cerca de cinco anos. Portanto, pagaram a amortização dessas usinas, ao menos por 25 anos, se considerarmos usinas de 30 anos de existência. Ainda que não haja definição clara, há riscos de a diferença de preços entre o mercado cativo e livre ser relevante, a ponto de desmotivar o mercado livre, prejudicando a concorrência de preços, a liberdade de escolha do fornecedor de energia e a flexibilidade de negociação.

Não bastasse, recentemente, novas medidas foram adotadas, como a Resolução 03 do Conselho Nacional de Política Energética, o Decreto 7.945 da presidência da República e o despacho 627 da Aneel, que suspenderam a liquidação das operações de venda de energia no mercado livre em janeiro de 2013 e determinaram novas regras de precificação da energia para incluir custos decorrentes do despacho das usinas termelétricas. Felizmente, o governo federal recuou e a liquidação das operações de venda de energia no curto prazo foi retomada.

Essas atitudes assustam por alterarem regras de forma inesperada, sem prévia discussão com os agentes. No atual cenário, em que são necessários pesados investimentos em infraestrutura, fazem-se imprescindíveis indicativos claros de compromisso do governo federal com a segurança jurídica e a estabilidade regulatória, para que os investimentos privados de longo prazo retornem e os existentes não se tornem demasiadamente caros, ao precificarem o risco regulatório. Nesse contexto, as agências reguladoras ganham papel crucial. Foram criadas para regular e fiscalizar setores essenciais à economia, tais como energia, telefonia, petróleo e gás, saúde, água, aviação, transporte terrestre.

As decisões das agências regulatórias têm elevado conteúdo técnico e interferem de forma profunda na sociedade, podendo acarretar consequências trágicas. Portanto, devem ser autônomas, independentes, imparciais, eficientes e ter dirigentes de notório conhecimento e ilibada reputação. É necessário dotá-las de orçamento próprio condizente e evitar o intervencionismo governamental ou ideologias, de esquerda ou de direita. Não se deve esquecer de que são autarquias que servem ao Estado brasileiro e não a governos.

Ao menos em relação às agências, há sinais positivos, com a nomeação para diretor geral interino da Aneel de técnico proveniente de seu quadro funcional, experiente, respeitado, e com o arquivamento do projeto de lei 3.337/2004 ("Lei Geral das Agências Reguladoras"), que retirava autonomia e independência das agências e aumentava a ingerência política.

O governo federal, ainda que timidamente, parece acenar para os investidores, tentando reaproximá-los. Aguarda-se, contudo, atitudes mais concretas a demonstrar seu compromisso com a tão necessária e combalida segurança jurídica e estabilidade regulatória.

Alexei Macorin Vivan é diretor presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE), sócio das áreas de energia e regulatória de L.O. Baptista – Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira e Agel Advogados e foi executivo de empresas do setor elétrico.

Fonte: Valor Econômico