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GOVERNO ESVAZIA E POLITIZA AGÊNCIAS REGULADORAS

09.03.2006 | A decisão de José Airton Cirilo, um dos diretores da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), de se lançar candidato ao governo do Ceará pelo PT é mais uma confirmação – como se elas ainda fossem necessárias – do grau de deturpação a que o governo Lula está submetendo as agências reguladoras por meio de sua politização.
 
As agências reguladoras, como a ANTT, são instrumentos modernos de gestão do Estado, existentes em vários países adiantados. Do ponto de vista ideal, deveriam ser órgãos compostos por técnicos competentes, sem qualquer vinculação política, com mandatos de prazo fixo, não coincidentes com o do presidente da República, e que só podem ser afastados em situações extremas, previstas em lei, ou por decisão judicial. São indicados pelo presidente da República, mas precisam ser aprovados pelo Senado.
 
O raciocínio por trás da concepção dessas entidades é simples. O governo, eleito pelo povo, fixa as diretrizes gerais para determinada área, por meio do respectivo ministério. Os titulares dos ministérios, no entanto, são, por definição, ocupantes de cargos políticos. Podem ser demitidos a qualquer hora pelo presidente da República. Entram nas composições e acertos entre partidos para que o governo tenha maioria de votos no Congresso. São, muitas vezes, políticos de carreira, que querem ser ministros para, ocupando a
vitrine, terem maior visibilidade.
 
É por tudo isso que existem, paralelamente aos ministérios, as agências. Estáveis, teoricamente imunes à ingerência política, a elas cabe executar as diretrizes fixadas pelo governo, mas com base na lei e em critérios técnicos, em áreas importantíssimas como transportes, telecomunicações, energia elétrica, petróleo ou recursos hídricos. Elas garantiriam a segurança jurídica necessária aos investidores que colocam dinheiro em concessionárias de serviços públicos. Estariam imunes, por exemplo, a controles demagógicos de preços e tarifas, feitos politicamente, sem consideração aos custos das empresas. Ao mesmo tempo, exigiriam das concessionárias o rigoroso cumprimento dos contratos, evitando abusos e protegendo os consumidores.
 
Ocorre, porém, que as agências foram criadas – embora não totalmente implantadas – no governo anterior. E por definição, para o governo Lula, excetuada a política econômica, tudo o que veio do governo anterior deve ser apagado do mapa (veja-se o caso dos mutirões de cirurgias implantados pelo ex-ministro da Saúde José Serra, suspensos desde o último dia 1º depois de terem realizado, em seis anos, nada menos do que 3 milhões de cirurgias de catarata, varizes, próstata e outras).
 
Lula, é verdade, manteve as agências. Seu governo até realiza concursos para o preenchimento de vagas em seus magérrimos e insuficientes quadros. Ao mesmo tempo, porém, vai minando sua autoridade e eficácia. O presidente chegou a declarar, nos primeiros tempos de governo, que a gestão FHC havia “privatizado” o serviço público com sua criação – como se elas não fossem
organismos do Estado, compostas por agentes públicos e funcionários de carreira, com missão e competência fixadas em lei e com dirigentes aprovados pelo Senado da República.
 
Depois disso, o governo Lula pressionou alguns diretores supostamente “incômodos” até obter seu afastamento. Incluiu uma série enorme de restrições à ação das agências na agenda de discussão sobre seu futuro, ainda não concluída. E, coroando o processo de espremê-las e desfigurá-las, incluiu as agências no toma-lá-dá-cá da troca de cargos para satisfazer correntes políticas.
 
Vários partidos já indicaram diretores. Foi o próprio Lula, entretanto, quem mais politizou essas agências de natureza técnica, lançando mão em alguns casos do mesmo (e péssimo) critério que utilizou para formar seu primeiro Ministério: “companheiros” que perderam eleições – políticos profissionais, portanto, e além de tudo reprovados no teste junto ao eleitorado – foram premiados com diretorias das agências.
 
O deputado do PC do B Haroldo Lima perdeu a eleição para o Senado em 2002? Pois ganhou em 2005 a direção-geral da importantíssima Agência Nacional do Petróleo (ANP), cuja criação, aliás, ele combateu, tendo sido também um dos mais fervorosos adversários da flexibilização do monopólio na área aprovado pelo Congresso em 1995. Como imaginar que um político até a medula, que desempenhou cinco mandatos de deputado e sempre se manteve ideologicamente do lado oposto a tudo o que a ANP representa, possa conduzir a agência com isenção?
 
O ex-prefeito de Piracicaba José Machado perdeu a reeleição para o cargo, em 2004? Pois bem, que seja então, como foi, premiado com a presidência da diretoria colegiada da Agência Nacional de Águas (ANA).
 
E aí chegamos a José Airton Cirilo. Ex-prefeito de Icapuí (CE), ex-vereador em Fortaleza, era presidente do PT quando se viu lançado, como absoluto azarão, ao governo do Estado. Concorreria, de um lado, com o senador Lúcio Alcântara (PSDB), apoiado pelo governador Tasso Jereissati e integrante do grupo que controlava o Ceará há 16 anos. De outro, com o ex-tucano Sérgio Machado, senador pelo PMDB e figura tradicional da política cearense.
 
Cirilo teve um surpreendente desempenho eleitoral. Derrubou Machado e passou para o segundo turno, embora Alcântara tenha ficado a décimos de percentagem da maioria absoluta, livrando 700 mil votos de vantagem. No segundo turno, porém, o barco virou: Cirilo chegou a 49,96% dos votos, perdendo por meros 3 mil num universo de 3,6 milhões de votos válidos.
 
Na composição do Ministério de Lula, no finzinho de 2002, porém, acabou ficando de fora, diferentemente do sucedido com vários outros petistas derrotados nas eleições para governador e senador. Olívio Dutra, por exemplo, que perdeu a disputa interna no PT para concorrer à reeleição como governador do Rio Grande do Sul para Tarso Genro, recebeu o Ministério das Cidades. Tarso, por sua vez, derrotado por Germano Rigotto (PMDB) na corrida para o Palácio Piratini, ficou com o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e, posteriormente, com o Ministério da Educação. A José Eduardo Dutra, derrotado em Sergipe por João Alves (PFL) no pleito para o governo estadual, coube um presentão: a presidência da Petrobras, cujo faturamento é várias vezes superior ao PIB do Estado que pretendia administrar. E por aí vai.
 
Passada a fornada inicial de premiações a “companheiros”, porém, Cirilo finalmente seria ungido com cargo público no começo de 2005, como diretor da ANTT. Deveria permanecer até 2008, mas provavelmente considera que ficou tempo suficiente para colher algum benefício político – e lá está ele de volta ao palco eleitoral. Pouco importa se justamente agora a ANTT estará sobrecarregada de decisões importantes, com um grande pacote de concessões de estradas federais à iniciativa privada em andamento. (Se quiser, confira o enorme conjunto de atribuições da agência em seu site neste link.)
 
Afinal, se Lula pouco se importa com as agências reguladoras, por que Cirilo o faria?
 
Fonte: no mínimo Ricardo A. Setti (http://nominimo.ibest.com.br)